terça-feira, 29 de julho de 2008

Juros e sustentabilidade da aceleração do crescimento

O Banco Central decretou, na semana passada, que a aceleração do crescimento não é sustentável no Brasil. Ao elevar a taxa de juros ainda mais, e acima do esperado, exatamente no momento em que a taxa de inflação corrente e os preços das commodities começaram a recuar, surpreendeu muita gente, e só teremos explicações ou informações que o mercado não tem nesta quinta-feira. Uma coisa é certa: com o aumento adicional do diferencial da taxa de juros doméstica em relação à internacional, o fluxo de capitais já está respondendo, e já tivemos e teremos apreciações adicionais da taxa de câmbio. Com isso, comprometemos a atual aceleração do crescimento e estamos trazendo para um futuro menos longínquo os problemas no setor externo que já eram esperados. O aspecto mais relevante da decisão do Banco Central é que ela mostra que somos incapazes de alongar o horizonte temporal das decisões de política econômica, e também que não temos ainda um regime de política macroeconômica compatível com crescimento acelerado e sustentado por longo período.

O Banco Central poderá não explicitar, mas o que está decretado é que o crescimento do nosso "produto potencial" é inferior à atual taxa de cerca de 4,5% ao ano, trajetória de crescimento do PIB dos últimos anos. Mais do que isso, como o BC está preocupado com a trajetória da taxa de juros, ao acelerar o seu ritmo de elevação está sinalizando que manterá o mesmo na próxima reunião do Copom, pois não seria lógico descontinuar a trajetória. E a razão para aumentar a taxa de juros é frear o crescimento da demanda agregada, supondo que aquela variável tenha efeitos sobre esta última, certamente com defasagem, e com isso reduzir a taxa de inflação, trazendo-a para o centro da meta.

Há duas inconsistências básicas na nossa política macroeconômica. Primeiro, ao aumentar a taxa de juros, instrumento de curto prazo, para controlar a inflação, comprometemos o longo prazo, o crescimento da economia. Para elevar a taxa de crescimento do "produto potencial", é preciso aumentar a taxa de investimento - assim ampliamos a capacidade produtiva, incorporamos as inovações tecnológicas e aumentamos a produtividade. No mundo real, é difícil imaginar que subitamente o produto potencial possa ser ampliado a taxas mais elevadas sem ampliar os investimentos, a não ser que inovações tecnológicas e aumento de produtividade surjam por geração espontânea ou caiam do céu por divina providência.

Para ampliar a taxa de investimento em relação ao PIB é preciso que existam algumas condições. Duas são essenciais: expectativa positiva de retorno e suprimento de crédito e financiamento a custos competitivos. A elevação da taxa de juros pelo BC tem impactos negativos sobre ambas. Uma trajetória ascendente de juros, se a política monetária for eficaz, desacelerará o crescimento da demanda e ampliará a capacidade ociosa da economia, e portanto sinalizará aos empresários um futuro sombrio, com menores vendas, maior capacidade ociosa e lucros menores. E exatamente a política monetária só será eficiente e eficaz se a taxa de investimento recuar, pois ela própria é parte integrante da demanda agregada, e sabidamente o outro componente, o consumo das familias, é muito mais estável e depende também de outras variáveis que não a renda contemporânea. Da mesma forma, a elevação da taxa de juros só será eficaz se conseguir contrair a oferta de créditos e financiamento ou desestimular a sua demanda em função do seu encarecimento para contrair os investimentos.

Assim, a primeira grande inconsistência não está na busca, pela política monetária, simultaneamente de baixa taxa de inflação e crescimento acelerado e sustentado ao longo de muitos anos. Está, sim, no patamar inicial muito elevado da taxa de juros no Brasil, uma anomalia especificamente brasileira que fez com que o patamar da taxa de investimento produtivo seja muito baixo, de cerca de 18% do PIB, enquanto a média dos países emergentes alcança 25% do PIB. Assim, não é a elevação da taxa de juros em si, mas o seu patamar excessivamente elevado, que gera a inconsistência da política monetária com o crescimento acelerado da economia.

A segunda inconsistência básica da política monetária se refere ao fato de a elevação do diferencial da taxa de juros doméstica em relação à taxa internacional provocar o afluxo de capitais especulativos para capturar momentaneamente este diferencial. Isto, por sua vez, provoca inevitavelmente uma apreciação da taxa de câmbio, como está acontecendo neste momento, com duas consequências perversas. Primeira, a apreciação cambial aumenta o retorno do especulador, estimulando mais ainda o afluxo de novos capitais, trajetória que pode ser interrompida subitamente, gerando em seguida um movimento contrário de realização do lucro com saída de capitais, o que leva à depreciação da taxa de câmbio, que por sua vez traz de volta a inflação comida pela apreciação. Dada a integração do mercado financeiro, enquanto o diferencial de taxas de juros estiver aumentando, e com isso o fluxo de capitais, aumenta a oferta de crédito internacional, desfazendo o impacto da elevação da taxa de juros doméstica no sentido de contrair a liquidez doméstica.

A segunda consequência é que a apreciação da taxa de câmbio desestimula as exportações, com impactos negativos na taxa de crescimento e na taxa de poupança da economia. Na sua essência, o processo de crescimento é um processo de "catch up" tecnológico que se dá pelo canal do comércio por meio de sua ampliação, isto é, pela maior abertura comercial da economia. Maiores importações são o caminho de menor custo para internalizar as inovações e se aproximar da fronteira tecnológica, e exportar mais e tornar-se competitivo é a melhor escola para aprender e desenvolver capacidade interna de inovar. Só que, ao longo dos anos, somente com a ampliação das exportações é possível importar mais. Assim, qualquer política que estimule a apreciação da taxa de câmbio compromete o processo de crescimento no longo prazo. Recorrer à poupança externa via déficit em transações correntes e endividamento comprovadamente não foi o caminho percorrido por aqueles que conseguiram fazer o "catch up".


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP

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