Cibelle Bouças, de São Paulo
A economia brasileira poderá deixar de contar com uma âncora importante para conter a alta inflacionária em 2009. A variação cambial, que desde 2003 ajudou a reduzir o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em até dois pontos percentuais por ano, deve apresentar contribuição menor em 2008. E no próximo ano, se forem confirmadas as previsões de depreciação do real frente ao dólar, o papel do câmbio se inverterá e ele voltará a ser fator de estímulo à alta da inflação.
De acordo com Zeina Latif, economista-chefe do banco ING, desde meados de 2007 a valorização do real não tem sido suficiente para compensar a alta nos preços internacionais de commodities agrícolas, metálicas e do petróleo. A conseqüência foi o maior repasse de preços ao mercado interno. "O câmbio sozinho continua tendo um impacto favorável sobre a inflação, mas esse resultado tem sido mais do que compensado pela alta das commodities", afirma.
Zeina estima que o dólar encerrará o ano cotado a R$ 1,66, o que equivaleria a uma valorização de 7% do real no ano. Com tal apreciação, o câmbio daria uma contribuição negativa de 0,6 ponto percentual ao IPCA. Em 2007, quando o real valorizou-se em 17%, o repasse cambial foi de 1,12 ponto percentual negativo, segundo dados do Banco Central. "A apreciação cambial ainda será significativa, mas já não oferece uma contribuição relevante para a composição das taxas inflacionárias", diz.
A SLW Asset Management estima a cotação do dólar a R$ 1,58 no fim deste ano, contribuindo para a redução do IPCA em 0,5 ponto percentual. "Já em 2009, o câmbio deixa de ser uma âncora e passa a ser mais um fator de pressão", prevê Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da consultoria. Ele estima para o próximo ano uma desvalorização cambial de 7,5%, com o dólar fechando a R$ 1,70. Se a previsão se confirmar, o repasse cambial contribuirá para elevar o IPCA do ano em 0,36 ponto percentual, chegando a 5,4%, contra 6,1% neste ano. A última vez em que o câmbio ajudou a pressionar a inflação foi em 2002, com contribuição de 5,82 pontos percentuais em um IPCA de 12,53%.
Para Luis Fernando Azevedo, economista da Rosenberg Consultores Associados, o efeito do repasse cambial sobre a inflação de 2008 e de 2009 terá pouca relevância. Esse efeito é observado no grupo de produtos comercializáveis no exterior (tradeables) e no Índice de Preços por Atacado (IPA) do Índice Geral de Preços (IGP) - 95% desse grupo são commodities e têm preço balizado pelo mercado internacional. Ele observa que, desde que foi estabelecido o regime de metas de inflação, o indicador inflacionário acompanhava as variações do câmbio. Mas, com a aceleração de preços no segundo semestre de 2007, as curvas de IPCA e câmbio se descolaram. "Hoje, a taxa de inflação está muito mais vinculada à expectativa futura de inflação do que ao câmbio", afirma. A Rosenberg estima que o dólar terminará o ano a R$ 1,65.
A RC Consultores projeta um real mais valorizado, encerrando 2008 a R$ 1,60, que ajudaria a garantir o cumprimento da meta de IPCA para o ano, de 6,5%. Para 2009, as projeções são de câmbio a R$ 1,70 e inflação em 4,5%. Fábio Silveira, sócio da consultoria, considera em sua análise um aumento da entrada de investimento estrangeiro direto por conta da recente elevação da taxa básica de juros para 13% e uma desaceleração nos preços de alimentos no país, seguindo a queda das commodities agrícolas no mercado internacional. "A desaceleração de preços no mercado externo já deve se refletir nos indicadores de setembro no atacado. E deve chegar ao varejo no quarto trimestre."
Na contramão, Eduardo Yuki, economista do BNP Paribas Asset Management, espera para 2009 uma nova valorização do real, com o câmbio situando-se entre R$ 1,50 e R$ 1,55, fruto da atração de dólares ao país após o aumento da taxa básica de juros. "A decisão do Banco Central de elevar os juros é fundamental para catalisar o processo de desaceleração de preços, que já acontece no mercado externo", diz. Para ele, o câmbio em 2009 ainda contribuirá para reduzir a taxa do IPCA, projetada em 4,9%.
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