terça-feira, 5 de agosto de 2008

Nervos de aço

Por Adriana Cotias, Alessandra Bellotto, Angelo Pavini e Luciana Monteiro, de São Paulo
A forte queda das commodities - 3,38% somente ontem, além dos 10% em julho, segundo o índice CRB Reuters - colocou o país no centro dos holofotes dos investidores externos, que vêem no Ibovespa um sinônimo de matérias-primas. Vale, Petrobras e as siderúrgicas puxam a queda, alimentada por vendas de fundos internacionais agressivos, os fundos hedge, que especulam com os preços das commodities diretamente nas bolsas e indiretamente via as ações de empresas. Depois da queda de ontem do Índice Bovespa, de 3,51%, a perda no ano já chega a 12,96% - isso apesar de as commodities ainda apresentarem alta de 12,06%.

Diversas corretoras internacionais também reviram para pior sua visão sobre o Brasil, temendo o impacto da queda das commodities nos resultados das empresas e até nas contas do país. Essa forte pressão de venda de estrangeiros, que já tiraram R$ 14 bilhões da Bovespa apenas em junho e julho, ofusca qualquer dado positivo das empresas brasileiras e faz o mercado seguir mais os humores com relação à economia global do que fatores locais. Nesse momento, o investidor tem pouco a fazer senão esperar para ver até onde vai a onda pessimista.

No Brasil, a reversão do humor do mercado divide os analistas entre os que acham que se trata de um movimento pontual e os que já começam a rever suas projeções, vislumbrando uma mudança de fundamentos. A Fator Corretora, que já vinha com uma projeção conservadora, de 75 mil pontos para o Ibovespa no fim do ano, baixou o número para 67 mil pontos ontem. Já Tomas Awad, estrategista da Itaú Corretora, não vê motivo para alterar a projeção de 83.200 pontos para o Ibovespa. "O lucro das empresas brasileiras está indo bem e, se fosse para mudar o número, seria para cima", diz. Para ele, o mercado está antecipando um cenário muito pior do que o real. "Falamos com empresas diariamente e não notamos uma mudança que justifique esse pessimismo", diz ele.

A grande definição para a bolsa brasileira está nas mãos do governo chinês, diz Roseli Machado, da Fator Asset Management. Até setembro, o governo chinês deve decidir se dará prioridade ao combate à inflação ou manterá o crescimento. "Se a China resolver manter o crescimento, o Brasil volta a subir", diz ela, que está revendo a estimativa do Ibovespa em 82 mil pontos para o fim deste ano.

Não era sustentável que os preços das matérias-primas continuassem subindo, enquanto a recessão batia às portas do mundo desenvolvido, diz o estrategista da Unibanco Corretora, Vladimir Pinto, que, por enquanto, mantém a meta do Ibovespa em 78 mil pontos para dezembro, mas já pensa em revisá-la. Sob a sombra da crise de crédito americana e persistência da inflação - lá fora e também no Brasil -, investidores dos quatro cantos do planeta têm revisado as suas perspectivas para o crescimento da economia global praticamente em bases diárias. Somente a safra de balanços aqui é que pode dar fôlego para a bolsa brasileira experimentar alguma recuperação, tornando-se menos suscetível aos chacoalhões globais, pondera Pinto.

Nesse cenário, alguns setores podem ser favorecidos. Apesar do freio mundial, o petróleo não deve ceder abaixo de US$ 100, o que torna Petrobras PN, depois de uma queda de 22,5% em julho e 8,38% em agosto, uma opção atrativa na visão da Unibanco. Os metais, que têm refletido as preocupações sobre o ritmo global, também não devem experimentar cotações muito mais baixas, mesmo com alguma desaceleração nas economias emergentes. As siderúrgicas encontrarão ambiente para reajustar os preços do aço em até 15% em 2009, segundo previsão da corretora. Já o segmento de consumo continuará sofrendo o impacto do aumento dos custos de crédito, inflação de alimentos, enquanto os bancos sentirão ainda os reflexos do engessamento do crédito global, apesar de não terem exposição alguma em títulos lastreados em hipotecas de alto risco.

Mas o ambiente externo seguirá comandando o humor da bolsa brasileira, pelas notícias e indicadores que os EUA e os bancos americanos vão divulgar, reitera o chefe de análise da Bradesco Corretora, Carlos Firetti, que está revisando seus cenários para o Ibovespa. "Os fundamentos para a bolsa brasileira são positivos, não dá para falar em cenário pessimista mesmo com aumento de juros no Brasil e o prognóstico de desaceleração da economia no ano que vem", afirma. "Mas, no curto prazo, vai ser assim, muita oscilação." A receita agora é ficar mais fora de commodities, sem, contudo, ignorar Petrobras PN, que caiu demais.

No caso da estatal, um dos fatores positivos é a expectativa de manutenção dos preços do barril do petróleo, perto dos US$ 120, segundo a Merrill Lynch. Para o banco americano, apesar da esperada queda de atividade nos países desenvolvidos, o consumo dos emergentes seguirá em alta este ano, lembrando que foram países como Brasil, Índia e China que contribuíram com 85% do aumento de consumo do petróleo de 2000 para cá. A Merrill Lynch aposta que a rápida expansão do consumo em mercados emergentes deve continuar no segundo semestre, mantendo o barril em torno de US$ 124 neste trimestre e em US$ 119 no último trimestre do ano.

Mas embora a economia local ainda mantenha um bom ritmo de crescimento e as empresas abertas venham apresentando resultados sólidos, algumas já começam a transparecer nas receitas o aumento de custos por conta da elevação dos preços das commodities agrícolas, petróleo e aço, assinala a chefe de análise da Ativa Corretora, Luciana Leocádio. Por enquanto, ainda há espaço para repasse de preços no mercado interno. "Os fundamentos continuam favoráveis, mesmo que no curto prazo o vaivém continue." A corretora tem um alvo de 81.200 pontos para o Ibovespa até junho de 2009.

Para o economista-chefe da corretora Ágora, Álvaro Bandeira, além do peso das commodities, a liquidez das ações de empresas como Petrobras e Vale, siderúrgicas e até mesmo bancos e as bolsas Bovespa e BM&F acaba fazendo com que a bolsa brasileira seja mais afetada do que seus pares em momentos de aversão ao risco. A corretora, que vinha trabalhando com um Ibovespa a 82 mil pontos no final do ano, já está revisando sua projeção. No curto prazo, Bandeira acredita que o Ibovespa possa testar os 53 mil pontos, mas tende a ser recuperar no fim do ano e beirar o nível de 78 mil pontos. "Essas mesmas empresas, cujas perspectivas para o médio e longo prazo são positivas, estão ficando baratas e tendem a liderar a recuperação do mercado", afirma.

Na corretora Spinelli, as projeções são sempre feita em faixas - no início do ano, ficava entre 80 e 85 mil e, diante da piora do mercado, caiu para algo entre 75 a 80 mil. "As commodities oscilaram de uma completa euforia compradora para uma fuga, mas a demanda por matérias-primas é real diante de uma economia aquecida", diz Daniel Gorayeb, analista de investimentos da corretora Spinelli.

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