11/04/2008 15:44:49
Delfim NettoHouve enorme “ruído” sobre uma reunião em que algumas pessoas, a convite do presidente Lula, exploraram as condições atuais da economia nacional e internacional e discutiram os eventuais problemas do Brasil daqui a quatro ou cinco anos. Como parece provável, os Estados Unidos terão de fazer um ajuste no balanço em conta corrente, reduzindo o déficit comercial, com efeitos sobre o crescimento da exportação (que deve aumentar) e o aumento (que deve diminuir) da importação, pela combinação da desvalorização do dólar (que se iniciou em 2002 e se acelerou em 2007) e pela redução do ritmo de crescimento do PIB (iniciado no quarto trimestre de 2007). Isso provocará uma mudança nos fluxos comerciais do mundo, aos quais nenhum país ficará imune.
A crise dos subprimes foi apenas a ponta do iceberg das arriscadíssimas e escandalosas operações alavancadas pela total liberdade que a imaginação criadora dos agentes financeiros “conquistou” em nome da “eficiência” e que “eficientemente” esconderam dos seus balanços. O problema apenas antecipou a necessidade de ajuste da economia americana. Graças a condições especiais (ter a moeda reserva, ser a maior economia do mundo, ter o mais sofisticado sistema financeiro e ser a unidade de conta do comércio mundial, entre outras), os EUA têm vivido (consumido e investido) por longos anos acima da sua capacidade produtiva e estimulado o crescimento da economia mundial. Em algum momento, o mundo poderá se recusar a acumular em seu portfólio uma moeda que tem poder de compra cada vez menor no mercado internacional. O resultado seria um colapso do dólar como unidade de conta internacional e sua substituição como moeda reserva com dramáticas conseqüências.
O déficit em conta corrente dos EUA está hoje em torno de 5% do PIB (13,8 trilhões de dólares em 2007), ou seja, cerca de 700 bilhões de dólares (metade do PIB brasileiro de 2007). O ajuste exigirá que o mundo compre um pouco mais de produtos americanos e venda um pouco menos aos EUA. O PIB mundial andou às voltas de 70 trilhões de dólares em 2007 e vai continuar crescendo (mesmo com a redução de aumento do PIB americano). Tais números sugerem que, em termos de ajuste produtivo, não deverá ocorrer no mundo nada de muito dramático.
A dificuldade poderá vir não do mundo real (da produção), mas da desmontagem do mundo “virtual”, do seu financiamento, conseqüência da desabrida especulação alimentada pela liberdade sem responsabilidade, “cientificamente” construída pelos economistas financeiros. Os bancos centrais assumiram seu velho papel de financiador de última instância (esquecendo o moral hazard e a adverse selection) e têm conseguido impedir que a desconfiança atinja o sistema bancário e arraste a economia mundial para uma recessão. Ao mesmo tempo, começam a fechar a porta arrombada, aumentando a vigilância sobre a imaginação criadora dos agentes financeiros. Estes transformaram o mercado das commodities numa casa de tolerância, impondo custos que recaem sobre o desgraçado produtor e sobre a intermediação física, que estimula a produção pela melhoria da logística e reduz seus riscos, cobrindo-se com operações futuras.
O que se espera do ajuste americano parece ser uma moderação do crescimento mundial (que reduzirá o ritmo das exportações e das importações) e uma calmaria na especulação sobre os preços das commodities (o que produzirá menor volatilidade). Provavelmente, os preços internacionais serão influenciados por alguma eventual valorização do dólar num prazo de quatro ou cinco anos.
Foi disso que se tratou na reunião com o senhor presidente e que resultou na sugestão de se acelerarem os estudos para uma inteligente política industrial-exportadora, que garanta a capacidade de importar necessária a um robusto crescimento do Brasil, quando as condições externas forem menos favoráveis. Para tristeza e decepção de alguns “cientistas”, com relação aos três fatores que respondem pela valorização do real: a desvalorização do dólar, a profunda mudança estrutural na produção de petróleo e o fantástico diferencial entre o juro interno e externo (que consagra o Brasil com o último peru disponível fora do Dia de Ação de Graças), não foi sugerida qualquer modificação do atual sistema de flutuação. E por três bons motivos. Primeiro, porque o valor do dólar está fora do nosso alcance. Segundo, porque é em boa parte obra divina. E, terceiro, porque é uma velha armadilha construída exatamente pelos monopolistas da “boa ciência”, sobre a qual é inútil e irritante conversar.
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