quinta-feira, 17 de abril de 2008

Longe do fundo do poço

Longe do fundo do poço

11/04/2008 15:40:09

Nouriel Roubini

O professor da Universidade de Nova York e economista-chefe do site RGE Monitor, Nouriel Roubini, considera que o pacote de medidas anunciado pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, pode ser visto como a maior mudança no sistema financeiro americano desde a Grande Depressão. 

Ele pondera, contudo, que não conterá a crise, por ter efeitos somente a longo prazo e manter a filosofia conservadora de auto-regulação dos mercados. O ideal hoje seria estatizar as dívidas podres e absorver o prejuízo logo. Confessadamente pessimista, Roubini acredita que os piores efeitos da crise das hipotecas ainda estão por vir, que as bolsas de valores não atingiram o fundo do poço e que a recessão americana poderá se estender por um ano ou mais.

CartaCapital: As medidas anunciadas por Paulson resolvem o problema da falta de confiança no mercado americano?
Nouriel Roubini: As reformas visam a mudança do sistema de supervisão e regulação a longo prazo. As propostas de Paulson não resolverão os problemas imediatos. Evidentemente, são iniciativas positivas, mas apresentam limitações. Em primeiro lugar, no atual momento, mesmo com o estouro da bolha imobiliária, as operações de socorro e a atuação do Federal Reserve para manter um mínimo de liquidez, o secretário do Tesouro insinuou que a regulação sobre os bancos de investimento e hedge funds não será sistematicamente feita pelo Fed, mas apenas em momentos de crise. Acho isso um erro. Em segundo lugar, as autoridades não mencionaram como vão resolver a questão da securitização dos títulos, com toda a falta de informação e transparência que carregam. Finalmente, e talvez mais importante, a filosofia básica por trás do pacote é a auto-regulação das instituições financeiras, a disciplina supostamente intrínseca do mercado e os mesmos controles de riscos. Eles enfatizaram princípios e não regras. E isso provou ser absolutamente ineficaz na atual crise. Filosoficamente, permanece a idéia tradicional de auto-regulação, o que desaprovo.

CC: Foi realmente o pacote mais contundente desde a Grande Depressão que se seguiu a 1929?
NR: Depende. O pacote sugere uma mudança radical na forma de se lidar com a política monetária. Todas as facilidades concedidas pelo Federal Reserve aos bancos de investimento já indicavam essa direção, ao permitir que eles tenham acesso às taxas de redesconto (mais baixas), da mesma forma que os bancos comerciais. Nesse sentido, sem dúvida há uma mudança. Mas ainda não foram tomadas as iniciativas que propus para acabar de vez com a crise, como a nacionalização das dívidas, nem a adoção de normas mais rígidas em relação aos bancos de investimento e a seus produtos.

CC: E o que as autoridades americanas poderiam fazer para haver resultados a curto prazo?
NR: Chegamos a um ponto que as políticas monetária e fiscal tradicionais são ineficazes. As iniciativas do Fed de colocar dinheiro no mercado resolvem o problema da falta imediata de liquidez, mas não da insolvência e redução do crédito. Toda crise financeira precisa, em algum momento, de uma intervenção governamental mais forte. Ou seja, o resgate dos mutuários e dos investidores pequenos. O governo deveria comprar as hipotecas podres do setor privado, com um desconto grande de preços, e fixar novas taxas de juros. Isso evitaria que empresas e cidadãos entrassem em falência.

CC: O senhor é a favor de uma espécie de estatização de algumas instituições?
NR: Sim. Nacionalizar os títulos serviria para estancar a crise do subprime. É preciso uma atitude financeira radical, para realmente sanear o mercado hipotecário.

CC: Os economistas discutem que tipo de recessão os EUA vivem agora: em forma de V (rápida), em U (mais longa) e em W (vai e volta). Qual a sua percepção?
NR: Faz todo o sentido. Os economistas de Wall Street prevêem o formato V, com um ou dois trimestres de retração da economia e rápida recuperação no segundo semestre deste ano. Na minha opinião, teremos uma recessão em U, com a retomada da atividade apenas 12 ou 18 meses depois do início (janeiro de 2008). Também poderá haver, com os estímulos fiscais, uma recessão vaivém, mais no estilo do W. Ou um misto de um U com uma turbulência menor intermediária.

CC: O pior da crise já passou?
NR: Eu sou mais pessimista do que a maioria dos analistas. A recessão será grave e os balanços dos bancos vão mostrar números muito ruins ainda. A bolsa de valores ainda não chegou ao fundo do poço e as condições de crédito continuarão muito tensas, com os juros interbancários ainda muito elevados. Preocupo-me com o excesso de confiança que alguns analistas manifestam, como para se livrar da crise. Não será tão simples assim.

Nouriel Roubini

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