quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Jogo simula compra e venda de ações na bolsa

Por Adriana Cotias, de São Paulo.

Um terremoto de intensidade máxima atinge Nova York e derruba as bolsas em Wall Street e ao redor do mundo. As empresas de telefonia fixa obtêm reajustes de 5% nas mensalidades básicas residenciais. Índios sabotam linha de trem que passa por reserva de mineradora brasileira. As petrolíferas recuam com a queda do barril do petróleo. Os bancos perdem depósitos e fecham as portas por conta de uma greve. Bolsas americanas despencam por novos problemas no setor imobiliário e arrastam os demais mercados.

Com tais cenários em perspectiva é o analista de sistemas Rafael Ballico, de 25 anos, quem leva a melhor nessa seqüência de pregões. Ele embolsa R$ 1,33 mil, depois de ter aplicado R$ 500,00. A estratégia foi concentrar os investimentos em empresas de telefonia, um setor mais defensivo, evitando assim os atropelos do ambiente externo.

Embora as notícias que motivaram os vaivéns dos negócios tenham alguma semelhança com o que os investidores têm observado no mercado, o lucro de Ballico é fictício e foi obtido no "Jogo da Bol$a", um brinquedo de gente grande que simula um pregão real e que será apresentado na Expo Money do Rio a partir de hoje. Criado pelo catarinense Elvis Cristiano Tolotti, é com a interferência de cartas-cenários para o mercado todo ou para quatro setores da economia - telefonia, mineração, petrolífero e bancário - que os preços oscilam para cima ou para baixo.

Logo na estréia, Ballico conseguiu um retorno de 160% para a sua carteira. Bem mais do que os amigos Renato Schiavinato Lopez, de 29 anos, Luciano Carlos Silva e Diego de la Valle, ambos com 26 anos. Profissionais da área de Tecnologia da Informação foi no tabuleiro tradicional - e não nos elaborados jogos eletrônicos ou nos pregões virtuais na internet, como seria de se esperar - que eles descobriram como se divertir com o sobe-e-desce das ações, em partidas regadas a cervejas e piadinhas de toda a sorte. "Aqui, a gente interage um com o outro e costuma ganhar mais dinheiro do que perder, o que não tem ocorrido de forma muito freqüente na vida real", lamenta Lopez.

Como aplicador, ele conta que conseguiu bons lucros quando começou a investir na bolsa em meados de 2007. Neste ano, porém, o seu patrimônio em renda variável já foi reduzido à metade, em operações de compra e venda mais ou menos rápidas, com giro em até 15 dias. Nas partidas, Lopez diz ter um perfil mais agressivo do que na Bovespa, pois procura ficar 100% comprado em ações. "Eu me exponho mais ao risco no jogo do que na hora de investir, até porque não tenho que me preocupar tanto com os prejuízos."

Como o mais velho da turma, Lopez acaba assumindo o papel de diretor de pregão. Depois que as ações de um certo setor da banca acabam, os jogadores podem negociar papéis entre si, mas ele estabelece que as ordens de compra ou venda podem ser executadas numa faixa de duas cotações para cima ou para baixo do valor corrente no mercado, o que equivale a oscilações de 20%. Pelas regras, quando uma ação vai a zero, ela fica numa espécie de "circuit breaker", parada, e só volta a ser negociada quando um determinado cenário ditar a valorização. Ao atingir os R$ 200,00, as ações automaticamente passam por um "split" (desdobramento), voltam a valer R$ 100,00, e os jogadores recebem uma nova ação daquele setor para cada uma que têm em carteira.

"Com o jogo, você começa a se familiarizar com os termos técnicos e entende como funciona a dinâmica do mercado", diz Luciano Silva, que tem tido mais sorte nas partidas do que nos investimentos. Ele entrou na bolsa bem na época em que o Brasil ganhou o "investment grade", o selo de investimento não-especulativo atribuído pelas agências de classificação de risco de crédito, e, desde então, só viu o seu investimento encolher. "Eu até imaginava que poderia haver uma pequena queda, mas não uma crise como esta, que tem sido comparada com o 'crash' de 29."

Além de combinar o lado lúdico inerente aos tabuleiros com o caráter educativo, a intenção do criador do Jogo da Bol$sa foi oferecer aos participantes uma espécie de treino psicológico. "As partidas servem para os investidores se auto-conhecerem, pois é comum ver durante o jogo comportamentos muito parecidos com os que os investidores adotam quando estão de fato aplicando na bolsa", diz Tolotti. Ironia do destino, ele conta que nunca venceu uma partida, pois as ações queimam na sua mão feito batata quente. A qualquer valorização ele vende os papéis e quando caem deixa os prejuízos se estenderem indefinidamente.

O economista Aquiles Mosca, autor de "Finanças Comportamentais - Gerencie as suas emoções e alcance sucesso nos Investimentos", título recém adicionado à coleção Expo Money, afirma que é de se esperar que os investidores repliquem no jogo as atitudes que tomam na vida real. "Fatores emocionais e comportamentais fazem com que as decisões (de investimentos) se distanciem do que recomenda a economia financeira tradicional", diz. Ele exemplifica que o ser humano tende a agir em conformidade com o seu grupo, o que desencadeia os chamados "movimentos de manada". Isso explica por que o Ibovespa subiu por cinco anos consecutivos e também a saída desenfreada atual, um sintoma de pânico que fez com que várias ações brasileiras passassem a ser negociadas abaixo do valor patrimonial. "O que está por trás disso é a prova social: se há muita gente fazendo tal coisa, você infere que há uma boa razão para isso", diz o economista.

No tabuleiro, os jogadores contam que conseguem ter um pouco mais de controle e até tentam lançar mão de iniciativas que seriam somente possíveis aos grandes aplicadores, os agentes conhecidos como "tubarões" (que movimentam grandes volumes e conseguem exercer influência sobre os preços), segundo o jargão do mercado. Concentrado no setor bancário, Silva lança, por exemplo, uma ordem de compra acima do valor atual no mercado. A estratégia não cola. Se fosse bem-sucedido, uma única aquisição valorizaria a maior parte do seu portfólio.

As partidas podem ser realizadas com dois a seis jogadores e o tempo é estabelecido pelos participantes: pode durar 20 cartas ou 30 minutos, por exemplo. No início, cada um recebe R$ 500,00 e pode ou não já comprar ações da banca, que inicialmente cumpre o papel de uma corretora numa oferta pública. O Jogo da Bol$a vem acompanhado de um glossário, que explica os termos técnicos mais usados. Nas diversas rodadas, também é possível ao participante se valer do aluguel de ações e ganhar dinheiro mesmo com o mercado em baixa. As cartas-cenários ainda incluem a análise técnica, trazendo padrões gráficos que sinalizam uma tendência para os ativos.

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