terça-feira, 4 de novembro de 2008

O capitalismo não acabou

http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/579/o-capitalismo-nao-acabou-114031-1.htm

POR DENIZE BACOCCINA, ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON

O economista John Williamson, que no fim dos anos 80 cunhou a expressão Consenso de Washington, diz que, neste momento de pânico, a intervenção dos governos no sistema financeiro faz sentido, mas vê com receio a tendência estatizante em vários países. "No longo prazo, não funciona; como medida de emergência, tudo bem", afirmou em entrevista à DINHEIRO. Ele ainda defende a adoção de políticas liberais e diz que a crise atual não irá colocar em xeque o modelo capitalista. Conhecedor do Brasil, o economista do Instituto de Economia Internacional, em Washington, diz que o País deveria se aliar ao esforço global para reduzir os juros e minimizar os efeitos da recessão mundial que se aproxima. Leia a seguir:

DINHEIRO - Governos do mundo todo estão fazendo fortes intervenções na economia, comprando participações em bancos. O Consenso de Washington deu lugar ao consenso europeu? 
JOHN WILLIAMSON - Depende muito do que você quer dizer com Consenso de Washington. Se você se refere à versão levada adiante por John Stiglitz e outros, nunca houve um consenso aqui nem em nenhum outro lugar. Então, é claro que está no passado. Se você diz o que eu queria dizer com o Consenso de Washington, que é essencialmente o que sobreviveu dos anos Reagan, eu não acho que seja preciso modificar nada. Acho que é muito consistente com o que as pessoas estão dizendo na Europa. Elas não Entrevista / John Williamson estão pregando o fim do capitalismo ou nada deste tipo, mas a continuação de uma política de orientação de mercado de forma ampla. Eu disse várias vezes que o que era novo sobre o Consenso de Washington é que os países em desenvolvimento estavam adotando as políticas dos países da OCDE.

DINHEIRO - Há um ano não se podia falar de o governo comprar participações em bancos, mas parece que há uma aceitação geral desta idéia. 
WILLIAMSON O fato de as coisas terem ficado tão mal com as políticas atuais é que fez com que as velhas idéias liberais como um todo ficassem desacreditadas. Mas eu continuo achando que o governo não deve ter participações em bancos e empresas. Essa não é uma política para ser adotada no longo prazo. Mas é necessária neste momento como uma política de emergência. Eu era favorável à nacionalização do Northern Rock, um banco da Inglaterra, no início da crise, no ano passado. É uma coisa que tinha que ser feita naquelas circunstâncias.

DINHEIRO - O que o sr. acha que vai acontecer agora com o pensamento econômico liberal? Vai haver um retorno a John Maynard Keynes?
WILLIAMSON - Nunca achei que Lord Keynes tinha perdido relevância completamente. Keynes era claramente relevante para um tipo de situação bem mais limitada do que ele imaginou nos anos 30, mas que está voltando agora. Uma situação de retração global. E Keynes se tornou relevante de novo. Não acho que uma pessoa precise revisar totalmente seu pensamento para acomodar isso. Pelo menos não se a pessoa já tinha pensamentos sensatos antes.

DINHEIRO - O que é necessário, ação direta do governo ou mais regulação?
WILLIAMSON Não é que as coisas estivessem desregulamentadas. É que muitas coisas novas que surgiram no mercado financeiro não estavam regulamentadas. Como alguns tipos de derivativos. Completamente sem regulação. E o mesmo vale para os financiamentos imobiliários conhecidos como subprime. Essas operações eram securitizadas e revendidas. É possível criticar as agências de rating por dar notas muito generosas a esses bancos que ganharam uma fortuna inventando esses produtos, que agora são chamados de tóxicos.

DINHEIRO - Até que ponto se pode culpar o governo do presidente George W. Bush pela crise?
WILLIAMSON - Não se pode pessoalmente culpá-lo pelo colapso atual. Ele pode ser culpado por permitir que o sistema financeiro continuasse sem nenhuma tentativa de regulação. Houve alguma tentativa em países emergentes, mas nenhuma tentativa séria nos Estados Unidos.

DINHEIRO - Alguns republicanos têm expressado preocupação com o fato de que, se Barack Obama vencer as eleições, o governo terá um grande poder que pode ser utilizado de forma errada. O sr. enxerga este risco? 
WILLIAMSON - É, eu concordo, é um poder que pode ser mal usado. Não havia uma alternativa na situação atual, mas não é uma situação ideal.

DINHEIRO - Pode haver uma mudança de paradigma e uma rejeição do Estado mínimo em favor de um Estado com maior participação na economia ou o que estamos vendo é apenas uma emergência que será revertida?
WILLIAMSON - Acho que haverá uma relutância em voltar à situação em que não havia regulação nem supervisão. Acho que vamos nos aproximar de uma situação na qual haverá uma regulação do sistema bancário, mas sem participação acionária do governo nos bancos. É uma situação desejável a longo prazo.

DINHEIRO - Haverá uma reunião dos presidentes do G-20 em Washington no dia 15 de novembro. O sr. acha que haverá um acordo sobre o nível de regulação que é necessário? 
WILLIAMSON - Não acho que terão tempo para detalhes, mas penso que poderiam criar regras básicas neste nível intermediário que eu mencionei. O capitalismo não acabou.

FERNANDO SILVEIRA/FAAP

DINHEIRO - O sr. acha que há espaço para um novo Bretton Woods? O presidente Bush já se manifestou contrário à idéia, mas o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick , escreveu na semana passada um artigo defendendo isso. Qual a sua opinião?
WILLIAMSON Bretton Woods foi precedido por dois anos de trabalho preparatório. Não acho que seria possível Bretton Woods 2, com duas semanas de preparação. Eu sou favorável a uma grande reforma das instituições e gostaria de ver o FMI continuar como o organismo central neste processo. Tem a virtude de ter uma representação ampla, enquanto o G-20 só representa as maiores economias. O FMI já tem um corpo de funcionários e técnicos. Portanto, não seria preciso montar toda uma equipe. Ainda que pareça sensato começar o trabalho com o G-20, ele não tem uma representação ampla. O Banco Mundial, de Zoellick, também não é a instituição para liderar esse processo.

DINHEIRO - O sr. acha que esta reunião será um começo deste processo ou uma perda de tempo?
WILLIAMSON - Eu acho que pode acabar se revelando uma perda de tempo, o que de certa maneira é inevitável, mas eu espero que seja o começo de uma coisa maior.

DINHEIRO - É possível começar este trabalho de reforma com o presidente Bush com menos de três meses de governo pela frente? 
WILLIAMSON - O presidente francês Nicolas Sarkozy quis fazer agora porque o mandato dele como presidente da União Européia acaba em dezembro. Mas o trabalho começa agora, e Barack Obama, se for eleito, ocupa o lugar de Bush e vira um esforço conjunto Obama-Sarkozy.

DINHEIRO - No Brasil, o governo começou ignorando a crise, mas, nas últimas semanas, começou a atuar na mesma linha da Europa e dos Estados Unidos, abrindo espaço para comprar participações nos bancos. O governo brasileiro está tomando as atitudes corretas? 
WILLIAMSON Acho que agora está. Eu também achava, em setembro, que a crise não atingiria o Brasil. Mas a crise ficou mais grave e agora atinge todos os países.

DINHEIRO - Este é o único caminho para salvar o sistema, com os governos entrando dentro dos bancos? 
WILLIAMSON - Entrar nos bancos é a única maneira de oferecer crédito extra neste momento, porque investidores privados não estão dispostos a entrar agora, por causa da percepção de risco muito elevada.

DINHEIRO - O sr. disse que gostaria de ver o Brasil num esforço concertado com outros países reduzindo juros, mas as taxas internas ainda são muito altas. Nossa política monetária está equivocada? 
WILLIAMSON A inflação esperada já está caindo. O único problema é a taxa de câmbio, que se depreciou muito no último mês e pode ter um impacto inflacionário. Mas, se pesarmos o que está acontecendo com o preço do petróleo e com os valores das commodities, não acho que há um estímulo para a inflação. Acho que já chegou a hora de reduzir a taxa de juros brasileira.

DINHEIRO - O sr. disse que o mundo mudou rapidamente de uma desejada desaceleração do crescimento para uma recessão. Que cenário o sr. vê para os próximos meses?
WILLIAMSON - Acho que a turbulência financeira vai continuar, mas em ritmo menor. As bolsas de valores de países ricos não podem continuar caindo 3% ou 4% por dia, enquanto as dos emergentes caem quase 10%. Na economia real, acho que a recessão não será muito longa nem muito profunda, mas algumas pessoas discordam de mim. Eu acho que haverá uma recuperação no próximo ano.

DINHEIRO - Há alguns anos já se falava nos Estados Unidos sobre a bolha imobiliária e que ela deveria estourar. Por que não se fez nada a respeito? 
WILLIAMSON - É preciso perguntar a Mr. Alan Greenspan. Ele disse no Congresso que cometeu um erro.

DINHEIRO - Com a recessão mundial, algumas pessoas, inclusive o presidente Lula, têm dito que é preciso reduzir os subsidios agrícolas. O sr. acha que existe alguma chance para se voltar à Rodada de Doha? 
WILLIAMSON - Sempre existe uma chance, mas não acho que haverá entusiasmo. O problema é que ninguém achava que tinha muito a ganhar com o acordo antes. É preciso ampliar o debate para que as pessoas pensem que têm a ganhar. O argumento é que existe o perigo de um fechamento por causa da recessão e é preciso evitar isso retomando as negociações.

DINHEIRO - Num ambiente de recessão, não existe o perigo de fechamento das fronteiras?
WILLIAMSON - O último movimento, até agora, foi no sentido de limitar as exportações. A China limitou a exportação de alimentos e fertilizantes por causa da crise de alimentos, afetando a África. Isso ainda não foi revertido.

DINHEIRO - O Brasil estava falando sobre a criação de um Fundo Soberano quando havia perspectiva de uma grande entrada de dólares com a venda de petróleo. Mesmo com a queda do barril, o governo continua falando no Fundo. É uma boa idéia? 
WILLIAMSON - No momento, não. Mas talvez um dia se torne relevante de novo. Se as reservas de petróleo forem de fato tão grandes como pensam, e o preço continuar elevado, o Brasil deve poupar parte desses recursos. Mas no momento não existem os recursos, não faz sentido.

Nenhum comentário:

Minha lista de blogs