Luiz Sérgio Guimarães, de São Paulo
Sob impacto de indicadores mais fracos de atividade econômica e índices de inflação aquém das expectativas, os juros derreteram no mercado futuro da BM&F na semana passada. Mais do que sepultar a tese de que o Banco Central iria subir a Selic para neutralizar o impacto da alta do dólar sobre a inflação, a derrocada do juro futuro - o contrato mais negociado, para janeiro de 2010, tombou de 14,46% para 13,32% só na semana passada - mostra que as instituições estão se protegendo contra a possibilidade de o Copom tomar uma decisão surpreendente nesta quarta-feira. Mas a maioria dos analistas ainda acredita que o Comitê irá manter a Selic em 13,75% nesta última reunião do ano.
Os tesoureiros de bancos e gestores de fundos não descartam, contudo, a introdução pelo Copom de um informal viés de baixa sob a forma de um placar divergente. Dos oito membros do Copom, dois ou três já poderiam votar por uma redução de 0,25 ponto. Um outro sinal igualmente eficiente de intenção de flexibilização futura da política monetária poderia vir por meio da inclusão na ata de um parágrafo revelando a discussão entre os membros do Comitê da necessidade de redução imediata do juro. Mesmo sendo voto vencido, tal menção abriria a chance de baixa já na primeira reunião de 2009, agendada para 21 de janeiro. Apenas a sinalização de corte já será suficiente para derrubar ainda mais os juros futuros.
Os economistas acreditam que por mais conservadora que seja esta derradeira reunião de 2008, o BC não poderá cumprir as ameaças de aperto da política monetária contidas na última ata do Copom. De lá para cá, os dados mostraram que o Brasil foi contaminado pela crise externa das duas formas possíveis. O contágio mais desastroso veio pelo lado da queda da produção industrial, do consumo e do emprego. O menos ruim se deu pelo efeito de redução da inflação por causa da queda das commodities. Este efeito se revelou mais decisivo para influenciar a inflação do que o repasse da alta do dólar para os preços. O quadro atual é inteiramente diverso daquele que, em 29 de outubro, levou o Copom a preservar a Selic em 13,75%.
A maior parte dos analistas opta pelo consenso de manutenção por causa da retórica ortodoxa do Copom. Para manter a coerência com o discurso tranquilizador desenvolvido pelo seu presidente, Henrique Meirelles - segundo o qual há um pânico descabido em relação à queda da atividade economia, já que a desaceleração será menos intensa do que se fala -, o BC não pode cortar a Selic esta semana. Se cortasse, mesmo que no patamar simbólico de 0,25 ponto, estaria comprando a tese dos catastrofistas. A manutenção indicaria, ao contrário, que nada de grave está acontecendo na economia. Passado o susto atual, ela voltará a crescer, provavelmente já a partir do segundo trimestre de 2009. Quando mais vigoroso fosse um ciclo de baixa do juro desencadeado pelo Copom, mais sinistro seria o alerta econômico dado por ele.
Para Marcelo Salomon, economista-chefe do Unibanco, o Copom manterá a Selic porque a incerteza ainda é muito grande sobre a evolução do cenário macroeconômico. Se a atividade está desacelerando mais rapidamente do que se esperava, há o contraponto da pressão inflacionária causada pela depreciação do real. "Acredito que o BC deva manter uma atitude mais conservadora até ter mais evidências sobre qual força vai prevalecer. No nosso cenário base temos cortes de juros na segunda metade de 2009, mas se continuarmos a ter surpresas negativas de atividade o inicio dos cortes pode ser antecipado", adverte Salomon.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que mais do que a produção indústrial em pesada queda foi o IGP-M de novembro (0,38%, abaixo do previsto) que forneceu a sinalização mais importante: a de que o câmbio talvez não seja o problemão assustador que se previa antes. "Com a queda de preços de commodities e um cenário de deflação ou inflação muito baixa lá fora, fica difícil imaginar o câmbio causando um estrago significativo na inflação aqui dentro, ainda mais com a própria demanda desacelerando. Mas o problema é o BC topar que o câmbio não é problema", diz Vale. Pela percepção do BC, como a queda de demanda não anuncia o fim do mundo, a Selic pode ficar onde está por algum tempo, também porque não pode passar a impressão de abandono da meta de inflação de 4,5% para 2009. Do ponto de vista da MB Associados, "já haveria espaço para se pensar em reduzir a taxa agora em dezembro, porque acreditamos que os efeitos de quedas de preços e demandas compensarão sem dificuldade o câmbio".
Vale lembra que a depreciação cambial ocorre hoje em um cenário bem diferente daquele que, em 1999, 2002 e 2003, produziu uma disparada inflacionária. Naquelas épocas aconteceram choque cambiais sem choque deflacionário lá fora e "isso muda completamente a estória".
A economista-chefe do ING, Zeina Latif - uma das primeiras a prever a possibilidade de um PIB negativo no quarto trimestre de 2008 - diz que a foto da realidade brasileira de hoje não pode ser projetada para a maior parte de 2009. Ela prevê uma atividade combalida também no primeiro trimestre do ano que vem, mas, depois, a tendência é de recuperação. Zeina sustenta previsão de alta de 3,3% do produto no ano que vem, uma das mais elevadas do mercado. E o Copom não vai agir agora com base em uma imagem desfocada que irá mudar rapidamente. Credibilidade para esperar ele tem. Os setores produtivos que hoje lideram os sinais negativos foram justamente os que, no passado recente, exibiam um crescimento exagerado similar ao das bolhas. "Não se pode generalizar. O que se vê agora não é o retrato de 2009", diz Zeina.
O economista-chefe da consultoria UP Trend, Jason Vieira, também acredita que o BC irá esperar uma mudança mas em outra frente, nos EUA. Ele não deve decidir antes de conhecer o impacto da posse de Obama e dos efeitos dos pacotes milionários de recuperação da economia americana. A economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados - um dos quatro dos 16 analistas consultados pelo Valor que apostam em queda imediata da Selic - , já previa o início do ciclo de flexibilização antes mesmo da divulgação da queda na produção industrial. Thaís está pessimista quanto ao crescimento de 2009. Projeta uma expansão do PIB de 2%. As quedas na Selic apenas conseguirão "mitigar" a desaceleração.
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