quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Vícios e virtudes da política cambial

Se a apreciação continuada do real, que prevaleceu em 2006, 2007 e até agosto de 2008, era prejudicial para o setor produtivo brasileiro, a volatilidade observada nos últimos três meses também não é favorável para a tomada de decisões. Sendo um dos principais preços da economia, uma certa previsibilidade do comportamento futuro da taxa de câmbio é um fator determinante para a formação de preços, decisões de investimentos e produção, além do seu papel para o comércio exterior (exportações e importações).

Um câmbio mais desvalorizado é importante para fomentar a geração de valor agregado local, especialmente para amenizar os impactos da crise de crédito pós 15 de setembro nas contas externas e, ao mesmo tempo, gerar atividade interna para compensar os efeitos da desaceleração global.

Muitos se preocupam com o efeito inflacionário da desvalorização do real e defendem uma atuação mais forte do Banco Central (BC) no mercado cambial à vista. No entanto, principalmente levando em conta as condições do mercado internacional, é preciso considerar alguns aspectos importantes, mencionados a seguir.

a) O primeiro aspecto é que a desvalorização do real não é tão expressiva quanto poderia, em um primeiro momento, parecer. Se tomarmos as taxas médias vigentes ao longo dos períodos, o quadro não é tão dramático. Melhor do que tomar a simples comparação entre a menor cotação, de R$ 1,55 no final de julho e começo de agosto e os R$ 2,50 que têm vigido nos últimos dias, é levar em conta o câmbio médio efetivo ao longo do período. Ele tende a refletir mais a estrutura de preços relativos da economia por guardar maior relação com o fluxo de caixa das operações no mercado produtivo.

b) O câmbio médio vigente entre janeiro e agosto deste ano foi de R$ 1,67, com baixa volatilidade (variação). O de setembro a novembro passado foi de R$ 2,08, 25% mais elevado, porém com maior volatilidade. É provável que a média de dezembro e talvez dos próximos meses seja uns 10% mais elevada, ou seja, próxima de R$ 2,30, ainda com elevada volatilidade.

c) Como o "pass through" (repasse) médio é de 10%, isso significaria "coeteris paribus" ou seja, considerando-se as demais variáveis constantes, apenas para exercício, isso representaria potencialmente um impacto direto de 3,5 pontos percentuais (10% de 35%) na inflação.

d) No entanto, há que se considerar a deflação ocorrida nos preços em dólares das commodities no mercado internacional, que nos últimos três meses representou uma queda de 65% em média. Essa queda já está se refletindo nos indicadores de inflação doméstica, tanto pelo efeito direto da queda dos preços das commodities quanto indireto dos demais preços, o que também é estimulado pela demanda mais fraca.

e) Assim, voltando à taxa de câmbio, se uma taxa real de equilíbrio estivesse digamos próxima de R$ 2 há dois meses, hoje ela pode ser mais alta, entre 10% e 15%, sem gerar uma pressão inflacionária acima do tolerável.

Portanto, considerando-se esses fatores, não é uma má opção a decisão do BC de preservar as reservas cambiais em vez de queimá-las excessivamente para evitar a desvalorização do real.

Para efeito de comparação, enquanto o Brasil manteve até o momento praticamente intacto o seu nível de reservas, países emergentes como Rússia, Índia, Coréia do Sul e Cingapura já perderam cada um em média cerca de US$ 100 bilhões depois da crise. Todos os países citados possuíam um nível de reservas superior ao nosso e talvez possam se dar ao luxo de gastá-las agora. Também vale ressaltar que todos esses países também tiveram uma valorização menor das suas moedas nos últimos anos, ao contrário do real brasileiro.

No caso brasileiro, a volatilidade do comportamento da taxa de câmbio também sofreu outras influências decorrentes de três fatores: os derivativos cambiais de empresas que apostaram na continuidade da valorização do real, as posições compradas em dólares no mercado futuro e a crise de crédito para o comércio exterior. Todos esses efeitos tendem a ser passageiros, o que seria mais um fator favorável à atual estratégia do BC.

Outro destaque importante é que o BC, embora venha atuando apenas pontualmente no mercado cambial à vista, tem agido mais intensamente na oferta de swaps cambiais. No primeiro caso, representa venda direta de reservas, no segundo, a possibilidade de recompra, portanto mais adequada para preservar o saldo das reservas.

Assim, considerando-se custos e benefícios a questão mais determinante foi mesmo a excessiva valorização do real ocorrida nos três anos anteriores. O que está havendo agora é uma correção. Não valeria então a pena tentar reverter a desvalorização atual cometendo um outro erro de queimar desnecessariamente as reservas.

Isso, no entanto, não quer dizer que não há o que fazer, não apenas no aperfeiçoamento da política cambial, mas também no âmbito da política monetária, que tem grande influência no mercado, em uma acepção mais ampla. Nesse sentido, reduzir a taxa básica de juros (Selic), estimular a diminuição dos spreads dos bancos comerciais, fomentar a liquidez e induzir a fluidez do crédito e financiamento seriam fatores muito importantes diante do quadro atual.

kicker: Não vale a pena tentar reverter a desvalorização do real queimando reservas cambiais

ANTONIO CORRÊA DE LACERDA

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