quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A zona do euro depende dos EUA

Martin Wolf

Penso nisso como um momento de pausa para reflexão: os EUA entram numa recessão; os europeus acreditam que essa punição merecida pouco tem a ver com eles; a economia européia se desacelera inesperadamente; os EUA jogam tudo no restabelecimento do crescimento; por fim, os EUA se recuperam, arrastando a Europa atrás de si.

Mas essa não é simplesmente uma retração econômica. É, também, uma crise financeira. E se a solvência de um membro da zona do euro fosse colocada em dúvida? Afinal, os spreads sobre taxas de títulos do governo alemão e os preços dos swaps de crédito já aumentaram, sendo que os países mais afetados foram Bélgica, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha.

Os membros da zona do euro são como governos locais. Se estivessem impossibilitados de refinanciar as suas dívidas, seriam obrigados a descumprir as suas obrigações ou precisariam de ajuda externa. É certo que mesmo o spread grego de 165 pontos-base não subentende uma alta probabilidade de atraso nos pagamentos. A taxa de juros atual, de 4,7%, tampouco é impossível de gerenciar.

Os mercados, no entanto, podem mudar a grandes velocidades. É possível imaginar uma "parada repentina" nos bônus soberanos de maior risco.

Isso obrigaria a dívida a se tornar de curto prazo - um caminho clássico para uma crise.

A aparente eliminação do risco cambial não eliminou o risco em si. Dentro da zona do euro, os riscos inflacionários e cambiais se transformam em riscos de crédito.

Assim sendo, o que determina o risco do crédito soberano? A abordagem européia tradicional se concentra apenas nos déficits fiscais e dívidas visíveis. Isto é limitado demais. E não porque simplesmente ignore a dívida pública eventual. Isto se deve muito mais ao fato de ela ignorar as contas públicas nacionais e, portanto, os vínculos próximos existentes entre as contas do setor público e os balanços patrimoniais do setor privado. Ela também ignora a balança de pagamentos. É costume dizer que a conta corrente não é importante numa união monetária. Isto é verdade: uma crise cambial é impossível. Mas é também falso: uma crise de crédito poderá sobrevir.

Se um país tem um déficit em conta corrente, os seus residentes devem vender títulos financeiros a estrangeiros. Se os vendedores de títulos forem do setor privado, os estrangeiros fornecedores de recursos devem acreditar na sua solvência. Se o vendedor for o setor público, os fornecedores devem acreditar na mesma coisa.

Quando a contrapartida nacional do déficit externo é um déficit do setor privado, o que geralmente impulsiona a economia é uma forte expansão na oferta de serviços não-comercializáveis. Bolhas imobiliárias são uma parte desta história - muito especialmente nos casos recentes da Irlanda e Espanha (e também nos EUA e no Reino Unido).

Então, o que acontece se essa expansão desaba? A oferta de emissores privados solventes de títulos financeiros se retrai e os ingressos de capital se tornam mais caros ou mais restritos. Três coisas acontecerão conseqüentemente: primeiro, a economia se desacelerará; segundo, o déficit externo se retrairá; e, terceiro, o déficit fiscal aumentará.

Quanto mais determinada for uma ação fiscal compensatória, menor será a retração no déficit em conta corrente e a desaceleração na economia.

Se um país tem competitividade internacional relativamente baixa, um mercado de trabalho inflexível e uma taxa de câmbio irrevogavelmente fixa, o fim da expansão imobiliária reduzirá a demanda interna, sem gerar uma expansão compensatória significativa nas exportações líquidas. A deterioração fiscal, portanto, provavelmente será ampla e sustentada.

Assim, no momento em que o déficit do setor privado se transforma em superávit, o setor público se move na direção inversa. A Irlanda é um caso dramático: de acordo com o mais recente Panorama Econômico da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o resultado fiscal geral do governo passará de um superávit de 3% do PIB a um déficit de 7,1%, apenas entre 2006 e 2009.

O resultado fiscal da Espanha passará de um superávit de 2% para um déficit de 2,9% durante o mesmo período. Mas a Espanha ainda possui um vasto déficit em conta corrente. Portanto, o setor privado também possui um déficit considerável, projetado em 4,5% do PIB em 2009. Se ele também se retraísse em ritmo mais veloz do que o esperado, muito provável nas circunstâncias atuais, a desaceleração na economia e o salto no déficit fiscal seriam ainda maiores.

Outros membros da Zona do Euro que registram extensos déficits financeiros no setor privado e na conta corrente são Grécia e Portugal. Enquanto isso, Itália, Bélgica e Grécia anotam um elevado endividamento do setor público. Esses seis, portanto, são os países vulneráveis, dentre os quais a Grécia é a mais vulnerável.

Assim sendo, qual é a probabilidade de uma crise fiscal? A resposta é que isso depende da extensão e profundidade da recessão na Zona do Euro, da posição da dívida pública inicial do membro, da credibilidade das suas autoridades fiscais, da sua dificuldade em obter melhoras na competitividade externa e, principalmente, em saber se uma crise acontecerá em algum destes países. O pânico é contagioso.

A decisão do Banco Central Europeu, de reduzir as taxas de juros em 0,75 pontos percentuais na semana passada, representa ao menos um reconhecimento do perigo, embora certamente pouco demais e tarde demais. Mas é impossível escapar do problema central: as características da Alemanha como âncora da economia da zona do euro. Pois o problema da Europa não é de simplesmente ser uma coleção de países, mas que seu mais importante país tenha características tão distintas.

Quais são as características da Alemanha? Ela tem um setor manufatureiro esmagadoramente competitivo; é um país cronicamente superavitário, com demanda interna estruturalmente fraca (melhorada por um breve período durante a unificação); além disso, ela conseguiu evitar qualquer tipo de expansão habitacional ou de crédito interno. Sua elite parece indiferente à taxa de crescimento econômico do país, mesmo no médio prazo; ele está obcecado com os perigos da inflação; e o país acredita que os países que gastam além das suas receitas são um tanto imorais.

Os alemães argumentam, com razão, que seu país é um pilar de retidão. Mas pode ser difícil para países comuns viver com tal retidão. É claro, o resto da zona do euro fez a sua opção. Mas países com superávits estruturais, como a Alemanha, obrigam os seus parceiros a registrar os déficits que os alemães desdenham. Nas circunstâncias atuais, esses déficits são evidentemente deflacionários e poderão provocar ondas de inadimplência do setor privado, ou até do setor público.

O governo de um país membro teria permissão para ficar inadimplente? Ou haveria um plano de socorro e, nesse caso, por quem e a que preço? É concebível que o mundo descobrirá. Possivelmente, o resultado será federalismo fiscal. Mas ele pode ser muito mais confuso. Alguns países poderão ser gravemente prejudicados.

Uma recuperação robusta, contudo, eliminaria esse perigo. Se ela vier, não há dúvida de que ela virá não das providências da Alemanha para sustentar a demanda interna, mas dos devassos "anglo-saxões". Mais uma vez, os europeus terão prazer em condenar os EUA por seu hedonismo, enquanto tiram pleno proveito dela - a estratégia habitual, em que todos vencem, para todos.

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