segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Bernanke devia comprar carros, não bônus

Caroline Baum

É algo muito revelador quando a manchete "Fed pode comprar bônus do Tesouro" provoca reações. Comprar "treasuries" é a forma tradicional de aumentar as reservas no sistema bancário e colocar em movimento o processo de criação de dinheiro.

Historicamente, essas operações permanentes de mercado aberto foram elaboradas para não ter impacto no formato da curva de rendimentos. O objetivo era simplesmente satisfazer as demandas por reservas do sistema bancário.

Os papéis do Tesouro costumavam representar a maior parte do balanço patrimonial do banco central dos EUA. Não são mais. Em 28 de novembro, o Fed tinha US$ 476 bilhões de valores mobiliários que ostentavam "crédito e confiança totais" do governo dos EUA - menos de 25% de seu balanço. Há um ano, os dados passíveis de comparação mostravam o Fed com US$ 780 bilhões em títulos do Tesouro, 90% de seu balanço.

Quando o sistema bancário começar a funcionar de novo e o Fed precisar limpar todo o excesso de reservas que os bancos detêm, em vez de emprestar recursos, a realidade é que não terá "treasuries suficientes", segundo Paul Kasriel, economista-chefe do Northern Trust Corp., em Chicago.

Os bancos detinham excesso de US$ 605 bilhões em relação às reservas exigidas, de acordo com números de 19 de novembro. "Talvez o Fed tenha de aumentar as exigências de reserva", diz Kasriel. "Será como em 1937, tudo de novo".

Muitos estudiosos da Grande Depressão, como o falecido Milton Friedman e Anna Schwartz, apontam a duplicação da exigência de reservas dos bancos pelo Fed em 1936/1937 como o gatilho que acionou a segunda onda negativa na economia, que em meados da década 30 começava a se recuperar.

Com a meta da taxa referencial do Fed em 1% e a taxa efetiva em menos da metade disso, o presidente do Fed, Ben Bernanke, disse nesta semana que o banco poderia comprar "valores mobiliários do Tesouro de vencimento mais longo, ou de agências no mercado aberto, em quantidades substanciais", empurrando as taxas de juros de longo prazo para baixo, para "estimular a demanda agregada".

Esta não seria a primeira vez em que as autoridades monetárias tentam influenciar a forma da curva de juros. O twist (que inglês, além da dança, também pode significar "desviar-se do usual") era a febre em 1961 - tanto a dança como a operação combinada do Tesouro e do Fed para influenciar a curva dos rendimentos.

A "Operação Twist" foi um esforço com o objetivo de elevar as taxas de juros de curto prazo para atrair fluxos de capital do exterior e reduzir as de longo prazo, de forma a estimular os investimentos. Os EUA sofreram uma recessão moderada em 1960/1961. Na ocasião, todos éramos keynesianos, como parece que somos agora, despejando quantias cada vez maiores - "tenho US$ 700 bilhões. Ouvi alguém dizer US$ 800?" - em planos de estímulos fiscais.

O Tesouro concentrou-se no fim da curva de juros e comprou bônus de longo prazo para suas contas de custódia. O Fed aboliu sua política de "apenas notas de curto prazo" para conduzir as operações de mercado aberto e, em vez disso, comprou bônus de longo prazo.

O experimento de esculpir a curva de rendimentos foi considerado um fracasso, embora um estudo conjunto do Fed e do Tesouro sobre o mercado de papéis do governo tenha descoberto que a participação de ambas as partes foi levada adiante com pouco entusiasmo.

Além disso, as compras de bônus de longo prazo pelo Fed foram "esterilizadas" por operações de compensação, segundo Allan Meltzer, professor de economia política na Carnegie Mellon University, em Pittsburgh, e historiador sobre o Fed. Assim como em intervenções no mercado de câmbio esterilizadas, os efeitos tiveram vida curta.

Mas esse foi o passado, o momento é agora. Com os juros próximos a zero e o Fed comprometido a um "afrouxamento quantitativo" - abandonar sua meta das taxas e, em vez disso, ir atrás de volume -, as autoridades monetárias precisarão injetar reservas no sistema bancário comprando alguma coisa.

"A premissa básica da economia monetária é que se você criar dinheiro suficiente, em algum ponto haverá mais do que as pessoas querem manter e elas o gastarão", diz Meltzer.

Isso não ocorreu até agora. O Fed continuará injetando até sentir alguma tração.

Mesmo as compras não esterilizadas de bônus poderiam fracassar em reduzir as taxas de longo prazo em qualquer grau significativo, por qualquer período significativo. As taxas de longo prazo são a soma das taxas de curto prazo atuais e projetadas. Hoje, o rendimento dos papéis de 10 anos, de 2,7%, não seria sustentável se os investidores antecipassem, digamos, uma taxa overnight de 3% daqui a dois anos. Neste caso, exigiriam alguma compensação - um prêmio de liquidez - para ficar com ativos de longo prazo.

Reduzir taxas de longo prazo, livres de risco, é algo realmente fora de propósito: essas taxas já estão em seus menores patamares históricos. Para estimular a demanda imobiliária residencial, o Fed comprometeu-se a comprar até US$ 600 bilhões em títulos de dívidas emitidos por empresas privadas que operam sob licença do governo (as GSEs, em inglês), como a Fannie Mae e Freddie Mac, e os valores hipotecários que elas garantem.

A idéia é colocar reservas no sistema bancário, o que o Fed pode fazer comprando qualquer coisa. Um segundo objetivo é "adquirir certos ativos que eles possam vender" quando chegar o momento de desatar o estímulo monetário, diz Meltzer.

E quanto a comprar carros? O Fed poderia matar dois pássaros com uma cajadada. "Eles precisam ter coisas que possam vender", afirma Meltzer. "O Fed usou sua carteira de treasuries em vez de dinheiro, assumindo ativos ruins e dando [às operadoras primárias] treasuries em troca".

Isso é uma pena para as montadoras de Detroit, que poderiam fazer bom uso de um comprador insensível à qualidade - e ao preço - neste momento.

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