quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Cachinhos de Ouro

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

"O PROBLEMA é o câmbio." Esse foi, nos últimos anos, o mantra dos keynesianos de quermesse, segundo quem o problema do Brasil resumia-se ao câmbio "fora de lugar", apesar de, precisamente nesse período, a economia brasileira ter acelerado para patamares havia muito não vistos. Até aí, sem surpresa. O surpreendente mesmo é, depois da maciça desvalorização da moeda, ainda ter que ouvir que, sim, "nosso maior problema é o câmbio".
A lamúria agora é que o câmbio desvalorizou-se demais, sem motivo, e que, portanto, o regime de câmbio flutuante, conivente com esse fenômeno, não seria adequado ao Brasil. Essa visão, porém, está errada. Confunde sua própria incapacidade de entender os movimentos da taxa de câmbio com uma suposta irracionalidade do câmbio flutuante e, por esse motivo, chega a conclusões equivocadas tanto no que se refere à necessidade de mudança de regime como às condições necessárias à adoção de políticas anticíclicas.
De fato, como destaquei muitas vezes neste espaço, a quermesse sempre atribuiu peso muito elevado à taxa de juros como determinante da taxa de câmbio e, por conveniência ou ignorância, deixou de lado desenvolvimentos externos que têm sido muito mais relevantes para moldar a trajetória do câmbio, em particular os preços de commodities.
Assim, entre o início de 2005 e meados de 2008, os preços de commodities, medidos em dólares, aumentaram cerca de 60%. Medidos em reais, porém, caíram 4%, fenômeno que já sugeriria uma forte relação inversa entre preços de commodities e a taxa de câmbio. Não por acaso, portanto, a queda abrupta desses preços em dólares nos últimos meses (quase 30%) transforma-se em estabilidade em reais, observação também coerente com a relação inversa entre a taxa de câmbio e preços de commodities.
Não há, pois, nada de misterioso no comportamento do câmbio que lance dúvidas acerca da adequação do regime no que diz respeito à sua capacidade de transmitir, de forma muito rápida, os sinais de mudança brusca nas condições internacionais.
Pelo contrário, a desvalorização do real tem nos informado que, devido à queda do poder de compra das exportações, nossa capacidade de importar para satisfazer a demanda doméstica foi drasticamente reduzida. Assim, se até há pouco o aumento do poder de compra das exportações permitia que a demanda crescesse à frente do produto, trata-se agora de percorrer o caminho inverso, qual seja, reduzir a taxa de crescimento da demanda relativamente à produção. A taxa de câmbio é apenas a mensageira de uma radical mudança de cenário. Pode-se não gostar da mensagem, mas de pouco adianta silenciar o portador.
Não é correto, portanto, concluir que o país precise proteger sua moeda e estabilizá-la, abandonando o regime de câmbio flutuante, para ter condições de fazer uma política anticíclica. É, na verdade, o oposto: impedir que a moeda se deprecie em reação à piora das condições externas requereria uma contração ainda mais forte da demanda doméstica para equilibrar o balanço de pagamentos, reduzindo adicionalmente o espaço para políticas anticíclicas.
Eis a quermesse: reclama quando o câmbio aprecia e também quando o câmbio deprecia. Quer o câmbio estável, para que as empresas possam projetar suas vidas em longo prazo, mas não hesitaria em mudar regras para impedir a flutuação do câmbio, dificultando exatamente o planejamento das empresas. Querem ser nossos Cachinhos de Ouro, se esforçando para fazer aquilo que o mercado de câmbio faz de graça.

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