quarta-feira, 2 de julho de 2008

E logo após a Olimpíada...

PAULO RABELLO DE CASTRO

OS CHINESES são muito supersticiosos. A abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim se dará num dia 8, número perfeito. De agosto, mês 8. De 2008. Pelo que sei, às 8 horas, 8 minutos e 8 segundos.
Se depender da numerologia, dará tudo certo.
Não obstante tanta sorte encomendada, há uma dúvida crescente sobre o depois. "Após as Olimpíadas", me disse, compenetrado, o diretor de commodities da poderosa Bolsa Mercantil de Chicago, "tudo será diferente; é outra coisa". Mesmo? Uma sombra se espalha sobre o que pode ocorrer na China e na economia mundial.
As cotações da Bolsa de Xangai não respeitaram a Olimpíada: cravaram 50% de queda em relação ao pico do índice, ao final de 2007. E as Bolsas americana e européia fecharam o pior semestre em muitos anos. O resultado de ontem continuou muito ruim. Uma forte desaceleração da economia mundial tornou-se inevitável. O nome é conhecido: estagflação.
O cenário atual -"lúgubre", como diria conhecido economista- não estava nem nas piores expectativas de Alan Greenspan, quando usou a expressão "Nova Economia" para descrever a bonança que se desenhava até a virada do milênio.
Greenspan acreditou, ou disse aos outros que acreditava, numa nova força estabilizadora dos ciclos econômicos, capaz de deter as caídas recessivas ou depressivas, com injeções cuidadosas de liquidez e juros bem baixos. O Fed usou essa "pedalada" de juros para esticar a fase eufórica da economia americana várias vezes em sua gestão à frente do Board (1987-2005).
Vozes críticas aos excessos de liquidez, como a de Paul Volcker, seu antecessor no Fed, foram caladas pela mídia, diante das definitivas explicações do mago Alan sobre como a vibrante economia mundial conseguira o "match" perfeito, entre americanos consumindo, guerreando e se endividando, enquanto asiáticos produziam as manufaturas e financiavam os "bonds" do Tesouro dos EUA. Como atores coadjuvantes, nações provedoras de commodities minerais e agrícolas -como o Brasil, a Austrália, o Canadá, a Argentina e a Rússia, além de países ricos em petróleo- entraram em cena produzindo mais e forrando-se de dólares em suas reservas. Mesmo o Brasil, secularmente desatento às oportunidades mundiais, foi literalmente "atropelado" pelo sucesso, a partir de 2003. Sorte de Lula!
Só não combinaram com o sistema financeiro para moderar suas apostas no futuro. O lado cruel do ciclo econômico mostrou sua cara quando os compromissos dos americanos com o pagamento de imóveis financiados a perder de vista, com prestações reajustáveis pela inflação, passaram a explodir o orçamento do endividado cidadão. O recuo da construção civil nos EUA se generalizou em 2007 e os números do desemprego, agora, se espalham.
Como quase sempre ocorre na fase do ajuste, os custos de produção repicam para cima mas as receitas futuras das empresas encolherão. Com a rentabilidade esperada em baixa, tome desemprego...
Para fazer seu dever de casa, os bancos americanos e europeus precisam se recapitalizar, face às suas posições alavancadas e suas apostas temerárias. O Fed já gastou meio trilhão de dólares socorrendo o sistema bancário.
A onda inflacionária que bate na economia brasileira é só a parcela inicial da conta do ajuste mundial que o sucessor de Greenspan terá que manejar. Há quem diga que o pior, só depois de agosto.

PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br

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