segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O pior já passou?

IstoÉ Dinheiro

Dinheiro: Depois de todas as medidas que o governo adotou, o sr. diria que o pior já passou?
Henrique meirelles: As medidas estão funcionando. a crise aguda de liquidez está superada, restando questões pontuais.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, anuncia a volta do crédito, enfatiza a solidez do sistema bancário nacional e garante que não haverá recessão no Brasil

Por Leonardo Attuch


Nas últimas semanas, Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, enfrentou duas guerras paralelas. Na frente de batalha interna, ele idealizou as medidas provisórias que estão permitindo o restabelecimento do crédito no País - entre elas, a decisão que incentivou grandes bancos a comprar carteiras de crédito de instituições menores. No front internacional, Meirelles também aproveitou a janela de oportunidade aberta pela crise para defender uma maior representação do Brasil em organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial. À DINHEIRO, em entrevista exclusiva, ele falou sobre o redesenho do sistema financeiro global e a situação brasileira. "Aqui não há nenhuma previsão de recessão", ele garante.

DINHEIRO - Há duas semanas os líderes do G-20 se reuniram em Washington e começaram a discutir a arquitetura de um novo sistema financeiro global. O sr. avalia que é o momento de refundar o sistema de Bretton Woods?
HENRIQUE MEIRELLES - Nas últimas semanas tem-se falado muito sobre o que seria um segundo acordo de Bretton Woods. Penso que isso deve representar uma nova era de cooperação entre autoridades econômicas e financeiras em todo o mundo, visando a combater a presente crise, fortalecer a regulação financeira e reformar a estrutura de regulação prudencial do sistema financeiro em muitos países. O que está em discussão é um redesenho da arquitetura financeira e o papel das instituições multilaterais.

DINHEIRO - Discute-se também se é necessário haver uma regulação sobre o sistema financeiro, mas parece haver divergências entre o mundo anglo-saxão e a União Européia. Como será possível supervisionar melhor as instituições financeiras sem gerar ineficiências que comprometam o crescimento?
MEIRELLES - Por um lado, uma maior regulação limita a criatividade, enquanto, por outro, mitiga o caráter procíclico do mercado financeiro. Está sendo proposta uma regulação que, em momentos de expansão acelerada, mantenha os riscos do sistema dentro de níveis aceitáveis. Com isso, ela preveniria crises mais pronunciadas, pois as contrações resultantes de crises financeiras seriam mitigadas. Diante da severidade da crise atual, a resposta clara a esse dilema é uma regulação equilibrada, que vise a corrigir os excessos, mas que dê margem ao exercício da criatividade e a uma intermediação financeira mais eficaz.

DINHEIRO - O sr. concorda com a tese de que os países emergentes, incluindo o Brasil, estão sub-representados em organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial?
MEIRELLES - Sim, não há dúvida de que os emergentes estão sub-representados no FMI e no Banco Mundial. No caso do Fórum de Estabilidade Financeira, órgão que ganhará relevância crescente no fortalecimento da regulação financeira, estes países não estão representados em nenhuma proporção. Já foi decidido pelo FEF que haverá uma maior representação dos emergentes e tudo indica que o primeiro país emergente a integrar o fórum será o Brasil. A proposta do G-20 é de aumento da representação dos emergentes no Banco Mundial e no FMI.

DINHEIRO - Na sua opinião, qual deve ser o papel destas duas instituições no combate à crise global?
MEIRELLES - A primeira recomendação refere-se ao seu reforço financeiro. Com aporte adequado de recursos, essas instituições poderão viabilizar financeiramente a ação anticíclica daqueles países que tenham maior vulnerabilidade financeira, no caso do FMI, e dos países com menos recursos, no caso do Banco Mundial. Além disso, estas entidades, principalmente o FMI, têm função importante na área de avaliação e monitoramento das economias globais, de forma a prevenir as crises. As distorções econômicas ou financeiras que cresçam de forma perigosa devem ser monitoradas e ações corretivas devem ser demandadas tempestivamente.

DINHEIRO - Em relação ao resto do mundo, como o sr. avaliaria a situação do sistema bancário brasileiro, especialmente no tocante à alavancagem e à gestão de riscos? E de que maneira os ajustes do passado, como o Proer, contribuíram para torná-lo mais sólido?
MEIRELLES - O sistema financeiro brasileiro tem níveis de capitalização superiores à média mundial e superiores ao requerido pelo Comitê de Basiléia. Em relação à gestão de riscos, a regulação prudencial brasileira é bastante rigorosa, o que limita a exposição a riscos. Por exemplo, os bancos brasileiros não têm exposição relevante aos mercados de alta alavancagem ou imobiliários norte-americanos, pois existem regras severas de alocação de capital para esse tipo de risco. Não há dúvida de que as crises financeiras dos anos 90 prepararam o sistema financeiro brasileiro para enfrentar crises como a atual. O sistema atua de forma mais conservadora do que a média do sistema financeiro mundial e certamente de forma mais conservadora do que antes das crises financeiras de 90. O efeito é que o nível de perda de crédito no sistema financeiro brasileiro mantém- se dentro dos seus padrões históricos, apesar da grande restrição de liquidez internacional.

DINHEIRO - Como o sr. avalia a fusão entre o Unibanco e o Itaú? Isso contribui para a saúde do sistema?
MEIRELLES - A fusão é uma decisão positiva que mostra a consolidação do sistema financeiro brasileiro e sua maior capacitação para a competição internacional.

DINHEIRO - Como é possível equilibrar a tendência de formação dos chamados "megabancos" com a necessidade de competição e os direitos dos clientes?
MEIRELLES - O Banco Central vai analisar a fusão e se pronunciar no momento adequado. Do ponto de vista teórico, é importante mencionar que, se por um lado a diminuição do número de instituições parece sugerir menor grau de concorrência, por outro lado o aumento do número de instituições de grande capacidade competitiva reforça a própria concorrência. Vários países têm um nível de concentração bancário maior que o Brasil, como Reino Unido, Canadá, França e Espanha, e exibem um grau de competição mais intenso. A avaliação preliminar é que instituições mais fortes podem aumentar a competição no Brasil. Evidentemente que cabe às autoridades regulatórias de cada país assegurar que o nível de competição seja adequado.

DINHEIRO - Depois de várias medidas adotadas pelo governo, especialmente as que incentivaram a compra de carteiras de crédito pelos bancos maiores, como o sr. avalia os resultados? A crise de liquidez já estaria sendo superada?
MEIRELLES - As diversas medidas adotadas pelo governo estão funcionando de acordo com o esperado. Grande parcela dos depósitos compulsórios que estão colocados à disposição das instituições financeiras para adquirir carteira de bancos menores ou fazer depósitos nestas mesmas instituições já está liberada. As medidas foram bem-sucedidas em um prazo relativamente curto pelos padrões internacionais. A crise aguda de liquidez está superada, restando questões pontuais.

DINHEIRO - E quais são as projeções de crédito em relação ao PIB do Brasil nos próximos anos?
MEIRELLES - A tendência é continuar havendo uma expansão, mas com taxas de crescimento menores que no passado recente.

DINHEIRO - Depois do encontro do G- 20 e da reunião do BIS em São Paulo, houve algumas leituras no sentido de que hoje a deflação seria uma ameaça maior que a inflação? Isso vale também para o Brasil, onde estamos perto do teto da meta?
MEIRELLES - A conclusão do G-20, colocada claramente no comunicado, é de que cada país deverá fazer política monetária adequada à sua situação específica. Os diversos países têm níveis de atividade e inflação bastante diferenciados, em função de fatores diversos.

DINHEIRO - Falou-se ainda da necessidade de políticas mais ativas no campo fiscal. O sr. crê que o Brasil, depois de ter reduzido significativamente a sua relação dívida/PIB, deverá utilizar instrumentos fiscais para gerar um crescimento mais forte?
MEIRELLES - A conclusão do G-20 é de que também na política fiscal cada país deve adotar a política adequada aos problemas que está enfrentando e de acordo com suas possibilidades fiscais. Por exemplo, nos Estados Unidos, o problema é causado por perdas de crédito substanciais das instituições financeiras e pelo volume de crédito ainda sujeito a problemas. Em conseqüência, a intervenção do governo se dá através da injeção de capital nos bancos e na compra de papéis de crédito com problemas. Na China o crescimento está fortemente vinculado às exportações. No momento em que há uma queda das vendas externas, o governo chinês fez um pacote fiscal de incentivo ao consumo interno.

DINHEIRO - O Brasil deveria seguir o exemplo dos Estados Unidos ou da China?
MEIRELLES - Estes não são os problemas do Brasil. O nosso consumo interno está forte. Entramos neste processo com um crescimento nas vendas de praticamente dois dígitos ao ano, impulsionadas por um aumento real da massa salarial de mais de 7% e pela criação de mais de dois milhões de empregos formais nos últimos 12 meses. A questão do Brasil está relacionada à restrição de liquidez no mercado internacional, com claros reflexos domésticos. O governo brasileiro está agindo através de injeção de liquidez no mercado de dólares por meio dos leilões de moeda estrangeira promovidos pelo Banco Central e pela liberação de compulsório para injeção de liquidez em reais. Além disso, os bancos públicos estão exercendo seu papel estabilizador.

DINHEIRO - Há poucas semanas, o sr. disse que não se deveria mais fazer piadas em relação à crise e afirmou ainda que ela é muito séria. Hoje, depois de vários indicadores apontando recessão nos países desenvolvidos, qual é o seu diagnóstico e qual seria sua duração?
MEIRELLES - A economia mundial já está enfrentando um período de recessão. Nos Estados Unidos o grau de severidade da crise econômica atual não era visto há várias décadas. A definição da equipe do presidente Barack Obama vai permitir que seja indicada uma linha de ação mais clara do governo americano, como já ocorreu nos últimos dias. Os Estados Unidos não são apenas a maior economia do mundo, mas a mais dinâmica e também a origem da crise atual.

DINHEIRO - O sr. acredita que o Brasil poderá atravessar esses anos de crise sem entrar em recessão também?
MEIRELLES - O FMI prevê para 2009 um crescimento médio mundial de 2,2% e para a economia brasileira um crescimento superior a essa taxa. A avaliação do FMI é semelhante às previsões de mercado. Ou seja, não existem previsões de recessão no Brasil.

DINHEIRO - De que maneira a queda das commodities minerais e agrícolas nos afetará? Se a redução do saldo comercial vier a gerar uma depreciação do real, quais seriam as pressões inflacionárias e como elas seriam administradas pelo BC?
MEIRELLES - O Banco Central, nas reuniões do Comitê de Política Monetária, analisa os diversos fatores que influenciam a inflação prospectiva, projeta seus modelos macroeconométricos e a partir daí toma as suas decisões. É uma norma de governança não pré-anunciar as nossas decisões.

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