sábado, 6 de dezembro de 2008

Pré-sal

Regime de exploração deve ser duplo
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Cristiano Romero, de Brasília
A crise não mudou os planos do governo para o petróleo descoberto na camada pré-sal. A comissão interministerial criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para propor um novo marco regulatório concluirá seu trabalho dentro de dez dias. Em janeiro, o presidente tomará a decisão sobre o modelo a ser adotado e, em fevereiro, o governo enviará ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo mudanças na legislação atual.

O presidente Lula ainda não tomou uma decisão, mas a tendência, segundo apurou o Valor, é o governo propor ao Congresso a convivência de dois regimes de exploração de petróleo no país: o de concessão, para as áreas exploradas atualmente, inclusive, as da camada pré-sal já licitadas; e o de partilha, para as áreas de pré-sal não-leiloadas. No primeiro caso, o petróleo descoberto pertence às empresas e sobre ele são cobrados participações especiais e royalties. No segundo caso, mesmo sendo descoberto por uma empresa pública ou privada, o petróleo pertence à União, que decide em que condições ele será explorado.

O governo, segundo um ministro, deve se inspirar no modelo adotado pela Noruega, onde convivem uma estatal de capital misto, como a Petrobras (a Statoil), e uma companhia 100% do governo (a Petoro), que administra as reservas de petróleo. No Brasil, o governo pode abrir mão de ter uma estatal, mas criar, em seu lugar, um escritório (uma autarquia) para gerir as futuras reservas do pré-sal.

Para fortalecer a Petrobras, dando-lhe condições de competir no novo ambiente regulatório, o governo estuda uma maneira de aumentar o capital da empresa para permitir que a ela eleve sua capacidade de endividamento e investimento.

Uma das idéias em estudo prevê o aumento da participação da União no seu capital mediante utilização de parte das reservas de petróleo das áreas adjacentes aos campos da camada pré-sal já licitados.

Essas áreas, antes mesmo de possíveis mudanças na Lei do Petróleo (9.478), pertencem à União, mas são separadas por linhas imaginárias de poços já leiloados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Para explorar o produto nessas áreas, a Petrobras, seus sócios privados e outras empresas detentoras de licenças para atuar ali terão que, antes, negociar com o governo federal acordos de "individualização". O objetivo é evitar que extraiam petróleo das áreas adjacentes, pertencentes à União.

Em geral, nesse tipo de acordo, define-se previamente que uma determinada quantidade de petróleo extraída num local deve ser transferida ao vizinho, no caso, à União, dona das áreas da camada pré-sal ainda não-leiloadas. O plano que está sendo estudado no governo é que, nos acordos de "individualização", o Tesouro use o petróleo a que tem direito nessas áreas para aumentar o capital da Petrobras.

O projeto do pré-sal será, segundo um ministro ouvido pelo Valor, o principal item da agenda legislativa do governo em 2009. O presidente Lula não abre mão de mudar o marco regulatório do setor de petróleo ainda em seu mandato. Como 2010 é ano eleitoral, o governo avalia que só terá chance de aprovar as mudanças pretendidas no próximo ano.

Lula quer que a campanha do pré-sal seja, ao lado do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a principal bandeira de seu candidato à sucessão - até este momento, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. "A crise não mudou um centímetro dos planos do governo para o pré-sal", assegurou um assessor direto do presidente.

A crise financeira internacional dificulta o financiamento das empresas de petróleo, mas os investimentos para a exploração do pré-sal, ponderou um ministro, só serão realizados nos próximos anos. O que se investiu até agora foi nas descobertas dos campos dessa camada. "O plano de investimento da Petrobras para o período 2008-2012 (de US$ 97,4 bilhões) ainda não inclui o pré-sal", explicou uma fonte.


Reservas podem render US$ 2 trilhões em 75 anos
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Samantha Maia, de São Paulo
Estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e do Instituto Talento Brasil (ITB) mostra que a exploração do pré-sal será viável com o barril do petróleo a partir de US$ 30. A pesquisa levou em consideração o custo médio de extração atual da Petrobras, de US$ 7,7 por barril, mais estimativas de aumento de custo diante das dificuldades técnicas de exploração do pré-sal.

"É uma estimativa, mas seguimos uma tendência conservadora de projetar a exploração dos novos campos cerca de três vezes mais custosa que a de hoje", diz o coordenador do estudo Cláudio Frischtak, economista da Inter B Consultoria Internacional de Negócios.

A expectativa de que a exploração comece em 2013 deixa o ambiente mais seguro, segundo o economista. "O mais importante não é o preço hoje, mas qual será o preço no longo prazo. Temos uma visão de que, seja por efeito de oferta e demanda, seja por efeito de custos de produção, o barril deverá ficar num patamar médio de US$ 70 a US$ 80 dólares após a crise, e dessa forma, com certeza, a exploração é viável", diz Frischtak.

A partir desse cenário, o estudo aponta para a necessidade de se pensar hoje as diretrizes dessa exploração, considerando que, independente de ainda não haver números certos sobre o tamanho das reservas, eles serão representativos o suficiente para trazer grandes impactos na economia nacional. "O aumento da arrecadação de royalties e participações especiais será significativo e é preciso pensar agora quais as formas de maximizar o impacto positivo no país", diz o economista.

Considerando uma reserva de aproximadamente 50 bilhões de barris sendo explorada por 75 anos e mantidas as atuais regras de regulação, o estudo aponta para uma arrecadação potencial de royalties e participações especiais de até US$ 2 trilhões durante todo o período de exploração.

A partir da análise de experiências internacionais de destinação das receitas geradas pela indústria de petróleo, o estudo sugere que as as arrecadações do pré-sal passem a ser centralizadas no governo federal para viabilizar a formação de um fundo de investimento em três áreas estratégicas de infra-estrutura: transporte público metropolitano e de cargas via ferrovia e hidrovias, e saneamento básico. "São áreas fundamentais para o desenvolvimento social do país que trariam impacto imediato sobre a população e o meio ambiente e que hoje têm baixa atratividade no mercado privado", diz Frischtak.

Levantamento sobre as necessidades de investimento nessas três áreas indica um déficit de US$ 200 bilhões após o término do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A maior parte desse déficit está concentrado em saneamento, onde faltam, segundo o estudo, R$ 229 bilhões para universalizar o serviço mesmo após o esforço do PAC. Em transportes metropolitanos, o estudo mostra uma defasagem de R$ 27,5 bilhões, e em transporte de carga ferroviário e hidroviário, o déficit é de R$ 9,9 bilhões.

A idéia é que o fundo com recursos de arrecadações do pré-sal arque com 60% desses investimentos, o que corresponde a US$ 109 bilhões ao longo de dez anos.

Para conseguir implementar o modelo, a ressalva do estudo é de que é preciso ter estabilidade nas regras de regulação do mercado de petróleo. Segundo Frischtak, o modelo de concessão brasileiro é vitorioso. A criação de uma nova estatal para cuidar apenas do pré-sal, por sua vez, é uma opção que precisaria ser mais estudada. Segundo o economista, o governo deve ter em mente que a criação de mais uma estatal significa ter também mais uma linha no orçamento com seus respectivos representantes reivindicando por recursos. "É um modelo que deu certo na Noruega, mas não há garantias que dê certo por aqui."

Além disso, para criar o fundo seria necessário mudar as regras de distribuição dos royalties e participações especiais, para direcionar a arrecadação para a esfera federal. "A lei atual é concentradora de renda", diz Frischtak.

Após 2022, quando terminariam os investimentos previstos em infra-estrutura é possível implementar outras políticas como a de destinação ao setor de educação. O patrimônio do fundo tem o potencial de chegar a US$ 900 bilhões até 2050.

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