sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Economia real e crédito

Delfim Netto

O sistema produtivo, a economia real e o sistema financeiro são umbilicalmente ligados. O funcionamento da economia real depende dos preços relativos, da produtividade dos trabalhadores, depende do espírito selvagem (o "animal spirit") dos empresários, mas também precisa para funcionar de um lubrificante fundamental que é o crédito fornecido pelo sistema financeiro.

No exterior, o sistema financeiro entrou numa dificuldade muito grande, arrastando consigo a economia real do mundo para um desfiladeiro, popularmente tratado de "recessão" nos meios acadêmicos. Este é o efeito temido pelo sistema produtivo e os honrados trabalhadores de todo o mundo, incluído o Brasil. A recessão pode nos atingir devido a uma restrição de crédito "importada" do exterior como eventualmente por dificuldades nas operações de nosso comércio com o resto do mundo.

Há bons motivos para acreditar que o Brasil pode se livrar de uma parte dessas complicações em razão de algumas diferenças fundamentais entre o comportamento de nosso sistema financeiro e o dos países desenvolvidos. Nosso sistema é hígido, nossos bancos são controlados por normas rígidas fiscalizadas pelo Banco Central, que se aperfeiçoaram intensamente desde a experiência do Proer nos anos 90. Não se sentiram, portanto, estimulados a se arriscar nas patifarias que contaminaram os bancos de investimento no hemisfério norte.

Nossos bancos têm se comportado de forma bastante diferente e, portanto, não temos nenhuma razão para ter uma crise financeira como a deles, nem imitar as restrições de crédito a que eles estão obrigados. Será impossível passar ao largo das perturbações, mas o momento favorável de nossa economia, com crescimento e estabilidade, nos permitirão enfrentá-las de forma razoável, talvez com uma pequena redução do ritmo de crescimento, mas sem a recessão deles. O Brasil é hoje uma das economias emergentes mais sólidas e podemos continuar crescendo 4% em 2009. Nossa taxa de retorno dos investimentos é elevada, o que dá perspectivas muito boas de negócios entre nós. Com 2008 terminando com um crescimento do PIB superior a 5%, não têm a menor consistência as previsões de alguns economistas de que o crescimento ficará em 2% ou até menos no ano que vem. Talvez esse negativismo seja refreado após a tempestiva decisão desta quarta-feira do Copom indicando uma pausa na elevação do juro básico...

Não há também nenhuma razão para imaginar que o nosso sistema produtivo vai ser desorganizado, como se as atuais dificuldades no crédito fossem se aprofundar. Na verdade o governo está obtendo a autorização legislativa necessária para permitir que as autoridades monetárias façam o que é adequado para restabelecer o fluxo normal do crédito para o setor industrial, nas exportações e, espero, à agricultura.

É exatamente para isso que o governo emitiu a MP 433 que veio dar condições de segurança ao agente público para adotar as medidas que darão conforto ao sistema financeiro e fazê-lo voltar a funcionar plenamente na atividade para a qual ele existe: financiar a produção.

Professor Emérito da FEA/USP. Ex-Ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento

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