PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A ACELERAÇÃO da crise financeira desde setembro criou oportunidades para introduzir mudanças aqui no FMI. Foi o que conseguimos ontem, depois de intenso processo de discussão. A Diretoria Executiva do Fundo aprovou, por larga maioria, a criação de um instrumento de financiamento, denominado "Short-Term Liquidity Facility-SLF" (Linha de Liquidez de Curto Prazo). A linha é bastante parecida com a proposta lançada originalmente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em abril último, na reunião de primavera do FMI.
O grande arquiteto catalão Antoni Gaudí observou, certa vez, que "ser original é voltar às origens". De certa maneira, é o que estamos fazendo aqui no Fundo. A nova linha permite que o FMI volte a operar dentro de um modelo mais próximo daquele imaginado por John Maynard Keynes, efetuando desembolsos rápidos, automáticos, ou quase automáticos, em volumes significativos. Como se sabe, o modelo de FMI defendido por Keynes acabou sendo suplantado por outra concepção que privilegia empréstimos desembolsados em parcelas, vinculadas ao cumprimento de metas quantitativas e critérios de desempenho -as chamada "condicionalidades".
A SLF foge desse padrão. A linha poderá ser acessada apenas por países integrados aos mercados internacionais e que tenham histórico de políticas econômicas sólidas, comprovado pelas consultas anuais do Artigo IV a que são obrigados todos os membros do FMI. Esses países seriam aqueles que apresentam políticas fiscais disciplinadas, inflação baixa e relativamente estável, políticas monetárias adequadas, boa supervisão financeira, posições sustentáveis no balanço de pagamentos em conta corrente e controle sobre o endividamento público e externo.
A experiência mostra que mesmo países com essas características podem sofrer choques financeiros externos, isto é, algum tipo de contágio na conta de capitais. Com a SLF, esses países poderão ter acesso muito rápido a um volume expressivo de recursos do FMI e -aqui vem um ponto essencial- sem as "condicionalidades" tradicionais do Fundo, isto é, sem carta de intenções, critérios de desempenho e monitoramento de metas quantitativas.
É uma inovação considerável e que se aproxima bastante do desenho que vinha sendo defendido pela cadeira brasileira nas discussões internas. Apenas em dois pontos importantes a SLF diverge da proposta do Brasil: no volume de recursos e no prazo. Nossa proposta não previa limite para o montante a ser desembolsado. Isso seria fixado caso a caso, com base nas necessidades do país atingido pelo contágio financeiro externo. A proposta brasileira também previa que a nova linha teria prazo de um ano a um ano e meio, prazo que nos parecia suficiente para superar crises de liquidez externa.
A SLF, tal como aprovada ontem, tem limite de 500% da cota do país no Fundo. No nosso entender, esse valor pode se revelar insuficiente para certas situações, uma vez que as cotas são pequenas em comparação com os fluxos de capital.
A SLF tem também um prazo curto. O país considerado apto pode sacar até 500% da sua cota em parcela única, mas tem de repagar em três meses. Pode repetir a operação por mais dois períodos de três meses, totalizando nove meses de cobertura para cada período de 12 meses.
Não é exatamente o que queríamos, mas foi dado um passo importante para modificar os procedimentos do Fundo. A instituição fica mais próxima do modelo idealizado por seu fundador mais ilustre.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
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