sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Estatismo e laissez-faire

John Thornhill

Poucos sentimentos são mais superficialmente reconfortantes do que descobrir uma prova de que o resto do mundo enlouqueceu enquanto você esteve certo o tempo todo. Este é o sentimento que parece estar permeando muitos políticos no continente europeu após a implosão do capitalismo anglo-americano.

Após tolerar intermináveis palestras sobre a necessidade de retalhar suas economias excessivamente reguladas e abraçar mercados livres, muitos políticos europeus acreditam que sua defesa obstinada da economia de mercado social foi justificada. Discussões sobre regulação de mercado e intervenção do Estado agora desatam a língua deles de forma tão entusiasmada quanto dão um nó na garganta nos seus pares dos EUA.

Enquanto Hank Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA, admite que considera o intervencionismo do seu governo "censurável", muitos políticos europeus parecem secretamente eletrizados por terem voltado a ditar a ordem econômica. Enquanto a maioria dos políticos dos EUA insulta o socialismo mundial, muitos políticos europeus ainda reverencia o termo. Peer Steinbrück, o oposto alemão de Paulson, até filosofou publicamente sobre se Karl Marx não teria estado "tão incorreto" ao predizer que o capitalismo desenfreado acabaria consumindo a si próprio.

Políticos da direita européia estão falando na mesma língua estatizante da esquerda. Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro da Itália, diz que a intervenção do Estado deixou de ser um pecado para se tornar uma necessidade, justificando o socorro estatal à Alitália, a companhia aérea nacional.

Nicolas Sarkozy, que já foi descrito por um biógrafo como "um americano em Paris", tem defendido o clássico intervencionismo francês.

Depois de ouvir, nesta semana, o discurso do presidente francês no Parlamento Europeu pedindo a criação de fundos soberanos europeus e uma nova política industrial, o líder do grupo socialista elogiou Sarkozy por "falar como um bom socialista europeu à moda antiga".

Nas palavras de Bruno Le Maire, um deputado francês, seria equivocado falar sobre um retorno do Estado na maioria da Europa, porém, pois ele jamais se ausentou. "Ronald Reagan disse uma vez que o governo é parte do problema, não a solução. Isto é inconcebível na França", ele diz. "O Estado é uma forma de seguro de vida. Sarkozy entende isso muito bem. Este é o eixo principal do seu discurso".

É compreensível que os políticos europeus estejam tentando tranqüilizar os eleitores, enfatizando os seus próprios poderes intervencionistas, dado o pânico nos mercados financeiros e a gravidade da retração econômica. Os gastos do governo foram vitais para recapitalizar o sistema bancário, elevar a confiança e apoiar a demanda. Será necessária uma regulação mais rigorosa para restaurar a fé no sistema financeiro.

Michael Heise, economista-chefe do Allianz Group, diz que os governos europeus reagiram firmemente à crise e que suas economias estão bem posicionadas para atravessar a tormenta. De forma geral, o setor corporativo é robusto; há espaço para mais cortes de taxas de juros; os índices de poupança e de investimento são elevados; e, salvo algumas exceções nacionais, a Europa não padece dos enormes déficits orçamentários e em conta corrente que os Estados Unidos ostentam.

Apesar disso, Heisse teme que intervenção estatal excessiva possa colocar em risco as perspectivas de recuperação da Europa no próximo ano. "O perigo de mais influência estatal e mais corporativismo é bem evidente", ele diz. "Haverá uma retração nas reformas de mercado".

Existem dúvidas, porém, sobre até onde irá o neo-estatismo europeu. As pressões sobre as finanças públicas em sociedades com populações mais idosas limitarão as ambições de gastos dos governos. Os gastos governamentais na França, por exemplo, já equivalem a 54% do PIB, maiores do que em qualquer outro país desenvolvido. A teia de obrigações internacionais na qual a Europa está emaranhada também limitará o protecionismo escancarado.

Por mais que os políticos protestem contra as políticas de concorrência e comércio da Organização Mundial do Comércio e da Comissão Européia, eles são obrigados a respeitar as suas regras.

Leszek Balcerowicz, professor no Warsaw School of Economics, emite um alerta de que a Europa pode estar correndo o risco de aprender a lição errada com a crise financeira, ao acreditar que ela teria sido causada exclusivamente pelo fracasso do livre mercado. Em muitos aspectos, porém, ele sugere, a crise só intensificará as pressões econômicas sobre a Europa, obrigando-a a mais reformas de mercado. "A crise atual não mina, apenas reforça, o argumento em prol das reformas estruturais no mercado de trabalho e de produtos e em favor da disciplina fiscal", ele diz.

Nos seus momentos mais calmos, Sarkozy parece aceitar pelo menos parte desse raciocínio. O presidente francês argumentou que a crise financeira foi causada pelos excessos do capitalismo, não pelo capitalismo em si. Ele está tentando injetar mais liquidez e competitividade na economia francesa esterilizando a legislação que consagra a semana de trabalho de 35 horas, desregulando partes do comércio varejista e reduzindo as cargas tributária e burocrática que recaem sobre as pequenas empresas. Autoridades francesas saudaram os dados que mostraram que o consumo das famílias e a formação de novas empresas - dois dos mais atraentes aspectos do modelo americano, como eles definem - são os principais sustentáculos para a economia.

Como conseqüência da crise, a economia dos EUA está se tornando mais européia em termos de regulação e intervenção estatal. As economias da Europa ainda poderão ser obrigadas a se tornarem mais americanas, também. O desafio é explorar os poderes criativos, domando, ao mesmo tempo, seus excessos destrutivos. Os dois lados podem aprender um pouco de sanidade uns dos outros.

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