quinta-feira, 30 de outubro de 2008

EUA devem se lembrar de emergentes

GEORGE SOROS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

O sistema financeiro mundial, na forma pela qual está constituído agora, se caracteriza por uma perniciosa assimetria. As autoridades dos países desenvolvidos estão no comando e farão o que for necessário para impedir que o sistema entre em colapso. Mas o destino dos países periféricos as preocupa menos. O sistema oferece menos estabilidade e menos proteção a esses países do que aos países centrais.
Essa assimetria, encapsulada no direito de veto dos Estados Unidos no FMI (Fundo Monetário Internacional), explica por que os americanos conseguiram acumular um déficit em conta corrente cada vez mais elevado no último quarto de século. O chamado Consenso de Washington impôs forte disciplina de mercado a outros países, mas os norte-americanos ficaram isentos dela.
A crise dos mercados emergentes em 1997 devastou países periféricos como Indonésia, Brasil, Coréia do Sul e Rússia, mas deixou os Estados Unidos ilesos. Subseqüentemente, muitos dos países periféricos adotaram políticas macroeconômicas sólidas e uma vez mais passaram a atrair grandes influxos de capital, o que lhes valeu crescimento econômico acelerado nos últimos anos.
Então surgiu a crise financeira, que se originou nos Estados Unidos. Até recentemente, países periféricos, como o Brasil, haviam passado em larga medida intocados e até se beneficiado do boom de commodities. Mas, depois da quebra do Lehman Brothers, o sistema financeiro sofreu uma parada cardíaca temporária e as autoridades dos Estados Unidos e da Europa tiveram de recorrer a medidas desesperadas.
Elas decidiram que não deveriam permitir a quebra de qualquer outra instituição financeira de grande porte e também instauraram garantias de depósitos contra possíveis perdas. Isso resultou em conseqüências adversas inesperadas para os países periféricos, e suas autoridades foram apanhadas de surpresa.
Nos últimos dias, houve fuga generalizada rumo à segurança, da periferia para o centro. As moedas locais caíram frente ao dólar e ao iene. As taxas de juros e os ágios nas operações de "credit default swap" dispararam, e as Bolsas despencaram.
Os pedidos de cobertura de margem proliferaram e se espalharam aos mercados de ações dos Estados Unidos e da Europa, gerando o espectro de um pânico renovado.
O FMI discute a criação de novas linhas de crédito para os países periféricos, em contraste com as linhas condicionais de crédito que não vêm sendo usadas porque as condições que comportam são por demais onerosas. Essas novas linhas de crédito não envolveriam precondições ou estigmas, para os países que estejam seguindo políticas macroeconômicas sólidas. Além disso, o FMI se declarou pronto a conceder crédito condicional a países menos qualificados. Islândia e Ucrânia já assinaram pacotes, e a próxima da fila é a Hungria.
A abordagem é a correta, mas pode ser insuficiente, e talvez esteja chegando tarde demais.
O máximo que essas linhas de crédito permitiriam em termos de saque seria cinco vezes o valor da cota do país.
No caso do Brasil, isso equivaleria a US$ 15 bilhões, um valor ínfimo comparado às reservas cambiais brasileiras superiores a US$ 200 bilhões. Um pacote muito maior e mais flexível é necessário, para reassegurar os mercados. Os bancos centrais dos países do centro deveriam criar grandes linhas para "swaps" com os bancos centrais dos países periféricos qualificados, e os países dotados de fortes reservas cambiais, como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, China e Japão, deveriam estabelecer um fundo suplementar de desembolso mais flexível. Também há necessidade urgente de mais crédito de curto e de longo prazo para permitir que os países com posições fiscais sólidas pratiquem políticas keynesianas de investimento público anticíclico.
Apenas o estímulo à demanda interna permitirá eliminar o espectro de uma depressão mundial.
Infelizmente, as autoridades mundiais estão sempre correndo atrás dos acontecimentos. É por isso que a crise financeira está escapando ao controle.
Ela já envolveu os países do Golfo Pérsico, e Arábia Saudita e Abu Dhabi talvez estejam preocupados demais com sua região para que se disponham a contribuir na formação de um fundo mundial. É hora de começar a pensar sobre a criação de direitos especiais de saque ou outra forma de reserva internacional em larga escala, mas isso fica sujeito ao veto dos Estados Unidos.
O presidente George W. Bush convocou uma conferência de cúpula do Grupo dos 20 em 15 de novembro, mas realizar uma reunião como essa seria irrelevante a não ser que os Estados Unidos estejam sendo sérios quanto a apoiar um esforço mundial de resgate.
Os norte-americanos precisam dar o exemplo na proteção aos países periféricos contra uma tempestade que se originou em sua economia, se não desejam abrir mão de sua posição de liderança.
Mesmo que Bush não concorde com esse ponto de vista, devemos esperar que o próximo presidente o faça.

GEORGE SOROS é presidente do conselho da Soros Fund Management.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Nenhum comentário:

Minha lista de blogs